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25 de dezembro de 2010

NUMA OCASIÃO...

Assim dizia o Tio Zé: - Numa ocasião...
Soava como se fosse: - Era uma vez...
Mas o relato, a história que se seguia não era produto de imaginação, qualquer coisa ficcionada. Pelo contrário, tratava-se de acontecimentos verificados durante a sua vida. Tivera a oportunidade de os viver (para o bem ou para o mal) ou observara-os nas vidas de outros que lhe estavam próximos, física ou afectivamente.

- Numa ocasião, estava eu em Setúbal...
- Numa ocasião, o meu padrinho...

Excitava-se ou comovia-se com os relatos da sua própria juventude e, principalmente, quando envolviam recordações do padrinho.

Depois da morte do filho, que dantes era alvo de muitas recordações ("Numa ocasião o meu filho..."), deixou de contar situações engraçadas, absurdas, mesmo conflituosas, que envolviam o próprio filho.

Assim aconteceu também com a propria esposa. Em vida dela, as "ocasiões" recordadas eram contadas depois de uma breve introdução, cortada de gargalhadas, chamando-a para perto de si e dos interlocutores, para que ela confirmasse a veracidade dos factos que narrava e que os tinham envolvido a ambos.
Com a morte dela também estes acabaram.

As narrações passaram a acontecer sem grande vivacidade e, quase sempre, tristes ou trágicas. Passou a viver fixado na neta e nos bisnetos, lembrando um pouco os vários sobrinhos.

Acontece que "Numa ocasião..." o Tio Zé faleceu. Foi no dia 1 de Dezembro.
Tinha 96 anos.

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Algeruz (arredores de Setúbal), 25 de Dezembro de 2010

22 de dezembro de 2010

FRASES (A)MORAIS I

Vem-lhes a doença, a velhice e os sinais de fim; então a SOBERBA cede lugar à constatação de não serem deuses.

17 de dezembro de 2010

QUESTÕES (IN)OPORTUNAS IV

Será que a democracia, em termos de circulação automóvel, se poderá avaliar pela fórmula "ONE MAN/ONE CAR"?

15 de dezembro de 2010

LIQUI-LEAKS

As fugas de líquidos não são matéria escabrosa, daquela que os media adoram publicar.
Assim é com:
- fugas de combustível
- fugas de óleo
- fugas de urina

O mesmo não de pode dizer de outras fugas mais sólidas. P. ex.:
- fugas de massas
- fugas de fundos
- fugas de fugas

Mas quem as vê?

Pois! Há leaks e... leaks.

12 de dezembro de 2010

RETRATO FORA DE ÉPOCA

Foi no tempo do cair da folha. Sol ainda brilhante, interrompido aqui e ali por pequenas nuvens ingénuas que faziam quebrar a monotonia da paisagem.
Ela vinha empinada em cima daqueles saltos altíssimos, pontiagudos, que lhe davam um ar titubeante de lavandisca, em requebros de ancas, entre o lascivo e a falta de equilibrio, que a todo o momento podia dobrar e partir-se pela cintura. Beiços pintados, cantos da boca babados, insinuando coisas e situações. Seios (demasiado) apertados por armação forte, que os empurrava dos sovacos contra o centro do peito, assim com duas mãos em ânsias, provocando um sulco denso, central, prometedor, desvendado pelo pelo decote abundante. Ancas, coxas, pernas visíveis ou adivinháveis, em contornos redondos, talvez excessivos.
Ele, olhando-a, pensou: - Vale a pena viver.
E ela seguia, vista de frente, vista de lado, vista por detrás, vista e revista. E apetecida.
Ele, olhando sempre, enquanto ela passava, sentiu como que um aperto na garganta, um mau agouro no peito, uma afronta, qualquer coisa que lhe arrepanhava o peito por dentro, um barulho doudo dentro dos ouvidos, ao mesmo tempo que ouviu uma gargalhada que fazia caçoada das flostrias dela, ao passar:
- Olha a galdéria!
Foi quando ele sentiu que, por qualquer causa, motivo ou razão o corpo não estava a conseguir reter-lhe a alma. Estava a esvair-se-lhe por uma infinidade de poros e a elevar-se lentamente, lentamente, acabando por ir encostar-se no buraco do ozono, tentando passar mais além. O corpo ficou caído, inerte, em posição desconchavada. A cabeça, ridícula, meia de lado e inclinada para trás. Braços e pernas em meneio estúpido, que nunca tinha tido.
Chegou um outro e disse:- Está morto.
E vai ele pensou:- Ah! Então morto é isto.
Tentou virar a cabeça para aquele que o sentenciara de morto. Não conseguiu. Tentou endireitar as biqueiras dos sapatos e corrigir a posição ridicula das pernas. Não conseguiu. Tentou levar a mão à cara, limpar a baba da boca. Não conseguiu. Desistiu. Aceitou. Estava morto. Tentou, então, recordar a frase que tinha escrito, ao principio da tarde, na agenda de bolso, mas não conseguiu. E era importante. Era, talvez, importanta nestas circunstâncias. Era importante, mas não sabia porquê. Tinha qualquer coisa a var com isto. Com esta situação de estar morto e assim desta maneira. Viu, então, pelo canto do olho esquerdo, o sulco dos seios dela a aproximar-se, enquanto a mão direita lhe palpava o pescoço.
- Está vivo! Está vivo! Tem pulsação. Fraca, mas tem pulsação.
Ele, com o olhos fixos, via-lhe mais o pescoço que os seios, mas adivinhava-os.
- Tem pulsação, sim senhor. E está a bater cada vez mais forte. Será catalepsia?
- Qualquer coisa pode ser, senhora. O homem fica é abafado. Deitada como está assim em cima dele ou abafa ou ressuscita.
- Chamem os bombeiros! - berrava um passante.
- Não é preciso. Chamem a Polícia. A Esquadra é já ali.
- A Polícia é para quê?
- A Polícia chama a ambulância, senhora.
Ela batia-lhe com ambas as mãos nas faces.
- Ai querido, acorde, acorde.
- Pois, bata-lhe. Ele ficou assim quando a viu paaasar nesse propósito. Olhou para si e passou-se.
Ela não ouvia. Ajoelhsda no chão, aflita, ora lhe palpa o pulso ora o pescoço, ora lhe dava bofetadas.
Passou um padre idoso e ficou comovido com a cena. Conferiu a falta de alianças nas mãos de ambos.
- São namorados, pois?
Como nenhum dos presentes respondesse, fez sobre eles o sinal de benção e declarou-os matrimoniados "in articulo mortis". Afastou-se sem mais, de mãos postas, rezando um responso entre dentes.
Chegou a ambulância, que levou os dois. Ele deitado, ela debruçada sobre ele, insuflando-lhe vida e força.
Tudo isto se passou há mais de vinte anos e continuam juntos.

10 de dezembro de 2010

BLOGUEMOS

Eu blogo
Tu blogas
ele bloga
toda a gente
mesmo os que têm cão
podem ter um blogue
falando de coisas
ou ácerca do seu umbigo
o blogue não ocupa espaço
não ladra
não come
não caga
(por vezes fede)
Viva o blogue !

(sans blague).

5 de dezembro de 2010

POESIA

Passámos os tempos de escola a ouvir conceitos de poesia, prosa, prosa poética, etc..
Não poderemos falar também de poesia prosaica?

IMAGINANDO

Imagina mundos
em contrastes grandes
profundos
onde usem a planta do pé
para ler a sina
e ouçam poesia
em radiofonia
em cada sentina.

1 de dezembro de 2010

LUAS (em noite de insónias)

IV - LUA-eclipsada

Vaidosa, que sais da boca de cena, obrigada a passar para os bastidores.
Actriz em decadência, que logo retoma o fulgor, apesar de não ser próprio, só emprestado.
Lua entre-vista na sombra. Sombra de ti. A Terra te lembra que vives do Sol.Sem ele não és.