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25 de dezembro de 2010

NUMA OCASIÃO...

Assim dizia o Tio Zé: - Numa ocasião...
Soava como se fosse: - Era uma vez...
Mas o relato, a história que se seguia não era produto de imaginação, qualquer coisa ficcionada. Pelo contrário, tratava-se de acontecimentos verificados durante a sua vida. Tivera a oportunidade de os viver (para o bem ou para o mal) ou observara-os nas vidas de outros que lhe estavam próximos, física ou afectivamente.

- Numa ocasião, estava eu em Setúbal...
- Numa ocasião, o meu padrinho...

Excitava-se ou comovia-se com os relatos da sua própria juventude e, principalmente, quando envolviam recordações do padrinho.

Depois da morte do filho, que dantes era alvo de muitas recordações ("Numa ocasião o meu filho..."), deixou de contar situações engraçadas, absurdas, mesmo conflituosas, que envolviam o próprio filho.

Assim aconteceu também com a propria esposa. Em vida dela, as "ocasiões" recordadas eram contadas depois de uma breve introdução, cortada de gargalhadas, chamando-a para perto de si e dos interlocutores, para que ela confirmasse a veracidade dos factos que narrava e que os tinham envolvido a ambos.
Com a morte dela também estes acabaram.

As narrações passaram a acontecer sem grande vivacidade e, quase sempre, tristes ou trágicas. Passou a viver fixado na neta e nos bisnetos, lembrando um pouco os vários sobrinhos.

Acontece que "Numa ocasião..." o Tio Zé faleceu. Foi no dia 1 de Dezembro.
Tinha 96 anos.

***************
Algeruz (arredores de Setúbal), 25 de Dezembro de 2010

22 de dezembro de 2010

FRASES (A)MORAIS I

Vem-lhes a doença, a velhice e os sinais de fim; então a SOBERBA cede lugar à constatação de não serem deuses.

17 de dezembro de 2010

QUESTÕES (IN)OPORTUNAS IV

Será que a democracia, em termos de circulação automóvel, se poderá avaliar pela fórmula "ONE MAN/ONE CAR"?

15 de dezembro de 2010

LIQUI-LEAKS

As fugas de líquidos não são matéria escabrosa, daquela que os media adoram publicar.
Assim é com:
- fugas de combustível
- fugas de óleo
- fugas de urina

O mesmo não de pode dizer de outras fugas mais sólidas. P. ex.:
- fugas de massas
- fugas de fundos
- fugas de fugas

Mas quem as vê?

Pois! Há leaks e... leaks.

12 de dezembro de 2010

RETRATO FORA DE ÉPOCA

Foi no tempo do cair da folha. Sol ainda brilhante, interrompido aqui e ali por pequenas nuvens ingénuas que faziam quebrar a monotonia da paisagem.
Ela vinha empinada em cima daqueles saltos altíssimos, pontiagudos, que lhe davam um ar titubeante de lavandisca, em requebros de ancas, entre o lascivo e a falta de equilibrio, que a todo o momento podia dobrar e partir-se pela cintura. Beiços pintados, cantos da boca babados, insinuando coisas e situações. Seios (demasiado) apertados por armação forte, que os empurrava dos sovacos contra o centro do peito, assim com duas mãos em ânsias, provocando um sulco denso, central, prometedor, desvendado pelo pelo decote abundante. Ancas, coxas, pernas visíveis ou adivinháveis, em contornos redondos, talvez excessivos.
Ele, olhando-a, pensou: - Vale a pena viver.
E ela seguia, vista de frente, vista de lado, vista por detrás, vista e revista. E apetecida.
Ele, olhando sempre, enquanto ela passava, sentiu como que um aperto na garganta, um mau agouro no peito, uma afronta, qualquer coisa que lhe arrepanhava o peito por dentro, um barulho doudo dentro dos ouvidos, ao mesmo tempo que ouviu uma gargalhada que fazia caçoada das flostrias dela, ao passar:
- Olha a galdéria!
Foi quando ele sentiu que, por qualquer causa, motivo ou razão o corpo não estava a conseguir reter-lhe a alma. Estava a esvair-se-lhe por uma infinidade de poros e a elevar-se lentamente, lentamente, acabando por ir encostar-se no buraco do ozono, tentando passar mais além. O corpo ficou caído, inerte, em posição desconchavada. A cabeça, ridícula, meia de lado e inclinada para trás. Braços e pernas em meneio estúpido, que nunca tinha tido.
Chegou um outro e disse:- Está morto.
E vai ele pensou:- Ah! Então morto é isto.
Tentou virar a cabeça para aquele que o sentenciara de morto. Não conseguiu. Tentou endireitar as biqueiras dos sapatos e corrigir a posição ridicula das pernas. Não conseguiu. Tentou levar a mão à cara, limpar a baba da boca. Não conseguiu. Desistiu. Aceitou. Estava morto. Tentou, então, recordar a frase que tinha escrito, ao principio da tarde, na agenda de bolso, mas não conseguiu. E era importante. Era, talvez, importanta nestas circunstâncias. Era importante, mas não sabia porquê. Tinha qualquer coisa a var com isto. Com esta situação de estar morto e assim desta maneira. Viu, então, pelo canto do olho esquerdo, o sulco dos seios dela a aproximar-se, enquanto a mão direita lhe palpava o pescoço.
- Está vivo! Está vivo! Tem pulsação. Fraca, mas tem pulsação.
Ele, com o olhos fixos, via-lhe mais o pescoço que os seios, mas adivinhava-os.
- Tem pulsação, sim senhor. E está a bater cada vez mais forte. Será catalepsia?
- Qualquer coisa pode ser, senhora. O homem fica é abafado. Deitada como está assim em cima dele ou abafa ou ressuscita.
- Chamem os bombeiros! - berrava um passante.
- Não é preciso. Chamem a Polícia. A Esquadra é já ali.
- A Polícia é para quê?
- A Polícia chama a ambulância, senhora.
Ela batia-lhe com ambas as mãos nas faces.
- Ai querido, acorde, acorde.
- Pois, bata-lhe. Ele ficou assim quando a viu paaasar nesse propósito. Olhou para si e passou-se.
Ela não ouvia. Ajoelhsda no chão, aflita, ora lhe palpa o pulso ora o pescoço, ora lhe dava bofetadas.
Passou um padre idoso e ficou comovido com a cena. Conferiu a falta de alianças nas mãos de ambos.
- São namorados, pois?
Como nenhum dos presentes respondesse, fez sobre eles o sinal de benção e declarou-os matrimoniados "in articulo mortis". Afastou-se sem mais, de mãos postas, rezando um responso entre dentes.
Chegou a ambulância, que levou os dois. Ele deitado, ela debruçada sobre ele, insuflando-lhe vida e força.
Tudo isto se passou há mais de vinte anos e continuam juntos.

10 de dezembro de 2010

BLOGUEMOS

Eu blogo
Tu blogas
ele bloga
toda a gente
mesmo os que têm cão
podem ter um blogue
falando de coisas
ou ácerca do seu umbigo
o blogue não ocupa espaço
não ladra
não come
não caga
(por vezes fede)
Viva o blogue !

(sans blague).

5 de dezembro de 2010

POESIA

Passámos os tempos de escola a ouvir conceitos de poesia, prosa, prosa poética, etc..
Não poderemos falar também de poesia prosaica?

IMAGINANDO

Imagina mundos
em contrastes grandes
profundos
onde usem a planta do pé
para ler a sina
e ouçam poesia
em radiofonia
em cada sentina.

1 de dezembro de 2010

LUAS (em noite de insónias)

IV - LUA-eclipsada

Vaidosa, que sais da boca de cena, obrigada a passar para os bastidores.
Actriz em decadência, que logo retoma o fulgor, apesar de não ser próprio, só emprestado.
Lua entre-vista na sombra. Sombra de ti. A Terra te lembra que vives do Sol.Sem ele não és.

30 de novembro de 2010

LUAS (em noite de insónias)

III - LUA-eclipse

Lua intrometida, ciumenta do Sol, fazedora de noites falsas.
Obscurantista, sub-reptícia, feiticeira perigosa. Mas previsível para quem te estuda e te conhece as manhas.
Lua, toma consciência da tua verdadeira condição - não és mais que luz alheia!

29 de novembro de 2010

LUAS (em noites de insónias)

II - LUA-cheia

- Estamos em posição de quarto-minguante. E agora? Já não há muito mais tempo.
- Não. Haverá mais luas-cheias. Haverá sempre mais luas-cheias.
- Pois, mas nós estamos já em quarto-minguante.
- Não. As luas-cheias serão sempre luas-cheias.
- Não há tempo, não há muito mais tempo para muitas mais luas-cheias. E é pena.
- A luas-cheias não acabarão.
- Sim. Que saudades vamos ter das luas-cheias a haver.

28 de novembro de 2010

LUAS ( em noites de insónia)

I - LUA-só

Lua ânsia, lua pressentimento. Lua do piar de coruja em noite densa.
Lua leve, asséptica, lua de leite, vaga, insinuante, difusa.
Lua nua, aluada.
Lua de marés. Lua das marés.
Lua do passado (sem luzes artificiais), lua-ela-só, rainha das estrelas e de outras pequenas luzes no fundo do céu escuro.
Lua hóstia. Lua queijo.
Lua pura. Lua lua.
Ou meia-lua que nasce ou meia-lua que morre e volta a nascer. E volta a morrer. E volta, de novo, a nascer devagar muito devagar.
Lua cio, prenhe e infértil. Asséptica, úbere, deleitosa, nocturna companheira.
Lua quase sangue em noites de Agosto.
Lua de lobisomens, de uivos , de angústias, de insónias.
LUA-LUA.

QUESTÕES (IN)OPORTUNAS II

Ao homem (ou mulher) que nos tirar da crise devemos erigir uma estátua crise...lefantina ?

25 de novembro de 2010

EM DEFESA E EXPLICAÇÃO DO PSEUDÓNIMO

"A poesia não é mais que um jogo de palavras" - dizem alguns.
Simples jogo de palavras? Sempre?
Será jogo de palavras, mas, também, é via de expressão de sentimentos, pensamentos, imaginação, ilusões. É, também, fingimento, jogo de faz-de-conta.
Mas, sendo dor mesmo sentida ou, até, fingindo sê-lo, essa dor, colocada no papel, passa a doer menos a quem a transmite. Quando lida por outrem em público e na presença do escrevente, provoca neste (quando sentida) a sensação de ficar nu em espaço público, despido da carapaça que o defende das intrusões no seu passado bem presente, apesar de ser, por vezes, já distante.
Assim, é aconselhável o uso de uma outra carapaça chamada PSEUDÓNIMO ou de um ortónimo que torne a intrusão mais translúcida.

(ADVERTÊNCIA: Nem esta "defesa" nem a "explicação" são aplicáveis nos casos de utilização do pseudónimo como acto de puro... "charme").

21 de novembro de 2010

NATO

Eu NATO
Tu NATAS
Ele (des)NATA
Nós NATAMOS
Vós (des)NATAIS
Eles HAVE FLOWN BACK HOME

19 de novembro de 2010

RETRATO

Instalados na vida
estão um homem e a sua barriga
ele tem o estômago ainda vivo
mas as ideias já se finaram
tem um chefe de quem tem medo
um carro de modelo antigo
um filho que lhe rouba o sono
uma mulher chamada Maria
e tem esperança em Deus
que, depois de morrer,
há-de voltar um dia.

16 de novembro de 2010

O SEXO COMO BEM DE CONSUMO

O sexo como bem de consumo.
como bem de consumo.
bem de consumo.
de consumo
de consumo
de consumo.
consumo.
sumo.
mo.
o.
.

11 de novembro de 2010

QUESTÕES (IN)OPORTUNAS I

Foi o livro "Leite derramado" que recebeu o "Prémio Portugal Telecom" ou foi a Portugal Telecom que recebeu o prémio Chico Buarque ?

5 de novembro de 2010

O riacho "virou" RIO

Ao principio as terras alevantavam-se e afundavam-se e voltavam a alevantar-se. Depois tornavam a afundar-se...
As águas das chuvas, o degelo, os aluviões, as neves, os glaciares, corriam, paravam, rodopiavam com o remexer das terras. Retomavam o seu caminho ou continuavam arrastadas nas convulsões.
Surgiram pequenas nascentes nas terras altas.
Um riacho nasceu assim. Teve a oportunidade de, em primeiro lugar, correr pelo sulco, pelo vale ou pelo desfiladeiro mais profundo e adiante e mais adiante e no futuro começou a raceber em si outro fios de água, à sua direita e à sua esquerda, que provinham de sulcos menores.
Foi pura contingência do sobe e desce da crosta terrestre que fez o riacho nascer e tornar-se Rio. Nascendo e crescendo como consequência da Gravidade.
Os outros fios de água não conseguiram passar de riachos, ribeiros, ribeiras, ribeirinhos. Todos passaram a engordar o Grande Rio, que, antes de todos eles, teve a oportunidade de correr pelo tal sulco, vale, desfiladeiro mais profundo, caminhando para o Mar ou... para outro Rio Maior (cuja oportunidade foi maior ainda).

Até para ser Rio é/foi necessária sorte !

(Nota: No caso dos Rios a sorte não resultou de qualquer esforço próprio nem daa águas que os compõem).

31 de outubro de 2010

REGRESSO

No limite de ser eu
ou ter sido eu-outro
me disputei na guerra
nas insónias nevoentas
das noites que passavam lentas lentas
dos pequenos grandes nadas
aos dias que não passavam
ou não passavam tão depressa
nos tiros e granadas
que me rebentavam dentro da cabeça
me fico a pensar
se fui eu ou outro
que morreu e não voltou.

27 de outubro de 2010

PASSADOS BIO-DEGRADÁVEIS

Atirou parte do passado para o esgoto. Papéis e mais papéis, notas, escritos, recordações.
Estão, agora, deslizando, em pedaços, na companhia de águas de lavagens, excrementos, urinas, desperdícios e tudo o mais que é dejecto humano e não humano.
São passados-passados, em movimento descendente. Correm entre jorros de líquidos vários, esgoto abaixo, para um esgoto maior, cruzando-se, talvez, com outros passados, que (talvez) venham a reconhecer, seguindo agora uma via comum.
Certo é que, descendo, descendo, descendo sempre , num movimento de sólidos em arrastamento líquido, descerão ao rio e, depois, ao mar e, depois, ao fundo do mar e a outro mar maior, se ele houver.
Serão readmitidos na natureza, pois são bio-degradáveis. As recordações, meditações, sonhos, experiências, pesadelos, ódios, amores - todos se degradarão no espaço do esquecimento.
Convivem já com a ausência de força para mudar as coisas, mudar o que quer que seja.
Muitos outros passados terão ido, assim, pelo esgoto (no todo ou em parte) e muitos outros irão no futuro (que será, também, passado) .
Todos esses passados, agora deslizando, não são totalmente iguais aos que já se esgotaram, assim como os passados-futuros também o não serão.

ORÇAMENTAÇÃO

Orçamenta...$$$ão? É?
Orçamenta...foi? Foi-$$$e?
$$$...será?

18 de outubro de 2010

FRUSTRAÇÃO

Na rua a multidão berrava:

- Viva Fulano!
- Viva!
- Viva Beltrano!
- Viva!
- Viva Sicrano!
- Viva!

Fugiu para o café próximo. Quando entrou, estava toda a gente a olhar para a porta. (- Estão a olhar para mim - pensou). Berrou:
- Viva Eu!
Ninguém correspondeu.
Frustrado, dirigiu-se ao lavabo.
Urinou. Ficou aliviado.

15 de outubro de 2010

ORÇAMENTIR

Eu orça minto
Tu orça mentes
Ele orça menta(mente)
Nós orça mentimos
Vós orça mentis
Eles orça mentem


(Deveremos acreditar? Em quem?)


"É preciso acreditar
é preciso acreditar
que o sorriso de quem passa
é um bem para se guardar
(...)"

Canta: Luiz Goes

10 de outubro de 2010

A ÚLTIMA VIAGEM DO GUERREIRO

No meio da confusão - tiroteio, gritos, bazucadas, roquetadas - ouviu ao pé de si um grande estouro. Depois foi o silêncio.
........................................................................

Agora navegava num rio escuro, fundo e espesso. A canoa avançava a impulsos do remador. O remo à ré.
A água sempre, sempre escura. Céu não havia. Uma luz ténue a afastar-se. Longe.
A canoa penetrava no escuro, aos solavancos. Ele, deitado, adivinhava o vulto do remador, o oscilar das vestes, o capuz que lhe cobria o rosto, os braços que repetiam o gesto.
Havia um grito agudo, angustiante. Não sabia se lhe estava dentro da cabeça ou se vinha de longe.
Por entre o grito ouvia vozes graves, profundas. Ora próximas, ora distantes. Talvez, também, murmúrios de quem reza.
Assim ficou. A canoa suspensa sobre a água. Vozes. E o grito. Vozes, vozes. Perto, perto. Durante muito tempo.
Sentiu que abria os olhos. Por entre um manto vermelho, para além tudo era branco.
- Porquê? Porquê? - perguntou-se.
Sentia uma grande angústia. Fechou os olhos.
A cabeça batia com força. E o grito aumentava, aumentava. Ouviu berrar. Alguém chamava. O remador empurrava-lhe, agora, o peito ao ritmo de quem rema.
Tentou gritar. Não conseguiu. O grito ficou-lhe encalhado na garganta.
Tudo foi ficando escuro lentamente, lentamente...

NUNCA MAIS.

9 de outubro de 2010

MENTO

Eu orçamento
Tu orçamentas?
Ele diz que orçamentará
Nós talvez orçamentemos
Vós orçamentais?
Eles não querem orçamentar


Tudo tão complicado!


- Não será de orçar
o próprio mento?
Não estará demasiado?


--------
P.S.- Muitos transportam SEMPRE o seu QUEIXO acima do ninel médio das águas do mar.

8 de outubro de 2010

PHRASES MVRAES - III

Comprei uma tesoura GRANDE antes que os 23% de IVA entrem em vigor.
Agora tenho que decidir onde e como OS devo cortar.

28 de setembro de 2010

COMUNIC@ÇÃO II

Não há ninguém aí
todos partiram para dentro de si
partiu-se o cordão
ou a ligação
que permite sermos ouvidos do outro lado.

A canseira, o cansaço
a fadiga
falta de dinheiro
ou o cagaço
uma dor mal sentida
o medo ou o fado
o susto do amanhã
ou a noite mal dormida
não deixam ouvir
nem sentir
alguém no outro lado


Tento outro rumo
outro "sítio", outro endereço
convoco a minha Fada
tento o inglês, o francês,
espanhol, o esperanto
a língua gestual
sinais de fumo
e, no entanto,
espanto:
- NADA !

26 de setembro de 2010

CONFISSÃO

- Então, pá, que é que se passou ontem na tua rua?
- O habitual.
- O habitual, o habitual... mas ontem houve mortos.
- Pois.
- Conta lá, pá. Tu até lá foste espreitar. Tu és do que gostam de andar a ver mortos.
- Pois. Eu até fui lá ver, mas a Polícia não deixava ninguém chegar-se.
- Foi à noite?
- Foi à hora de jantar.
- Conta lá, homem.
- Parece que a mulher do Farroncas apanhou o gajo distraído, de costas. Estava a comer a sopa na cozinha, a olhar apara a televisão. Abriu-lhe a caixa dos pirolitos com o cabo da vassoura.
- Mataram-se um ao outro?
- Nã senhor. o gajo fugiu todo a deitar sangue, mesmos á frente dos vizinhos, que acudiram aos gritos.
- E tu foste logo ver a morta. Não foi, Carolino?
- Eu nã estava em casa. Andava na venda. Quando cheguei já lá estava a Polícia, com a rua toda cheia de fitas vermelhas. Nã deixavam ninguém chegar-se.
- Mas já apanharam o Farroncas. É o que dizem.
- Nã senhor. Ele é que já depois da meia-noite chegou à porta da Esquadra com a cabeça partida, o olho inchado e a roupa cheia de sangue. Vai o polícia disse-lhe. "Para apresentar queixa só amanhã de manhã." Vai o Farroncas respondeu-lhe: "Nã senhor, venho cá falar com vossemecês porque parece que matei a minha mulher". E sentou-se no chão a chorar.

21 de setembro de 2010

ODISSEIA NO (TEMPO E NO) ESPAÇO

Dia cinzento, a anunciar aguaceiros. Calor húmido. Talvez trovoada a chegar.
Uma esplanada vazia. O empregado olhava o céu e transpirava tédio.
Entrou um cliente, aparentando cerca de sessenta anos. Vagueou, indeciso, por entre as mesas. Sentou-se.
O empregado aproximou-se: - Faz o obséquio.
- Uma bica e um brande. Faz favor.
O empregado voltou com o pedido numa bandeja. Então o cliente, com a voz empastada pelo álcool:
- Você está com sorte. Tem trabalho. Eu já estou cá fora. Lá me consegui safar. Você vai ver. Da maneira como isto está, vai ser uma monda. Lá no meu trabalho vai tudo para o olho da rua. Tudo pr'ó desemprego. Não vai demorar muito tempo para terem que por arame farpado na fronteira. ELECTRIFICADO!!
E o empregado, aproveitando a pausa no discurso:
- São dois euros, faz o obséquio.

18 de setembro de 2010

ILUMINADO

Ontem, Irmão,
quase atingi a Revelação
mas vi um louco discursando
na rua, em pijama
então
tive medo do SOL.

16 de setembro de 2010

O ESTADO (ANTI)-SOCIAL

Uma dada realidade social contem um conjunto de direitos e deveres dos seus cidadãos, instituidos ou estratificados ao longo dos tempos em cada nação/estado, que constarão, fundamentalmente, numa lei base, que se designa por contituição. (Em muitas cabeças existe o sonho de ser outorgada ao povo uma Carta Constitucional, como fez o Senhor Don Miguel),
Assim, também, o denominado "estado social" pode emanar dessa lei base e, assim, se manterá em vigor, a não ser que sejam revogadas ou alteradas as normas que o criaram e regulam.
Os abusos (sempre possíveis de existir) na utilização das benesses do estado social é que há que combater e perseguir. Mas não deverão ser esses abusos que deverão justificar a extinção da estrutura já existente.
Convem ter presente que o "estado social" veio introduzir na organização política e administrativa de um estado um sentido de justiça (social) e dar uma dignidade ao ser humano (cidadão) que, nos séculos passados não existia. A segurança no presente e/ou no futuro (incerto, de quem não tivesse bens e proventos pessoais ou familiares) era assegurada pela ajuda dos filhos (se existissem ou se pudessem). Para além disso, seria pela caridade, que, na maior parte dos casos, não era mais que uma esmola degradante e destruidora da dignidade humana.
Querem regressar a esse sistema?
Se a resposta é afirmativa (embora oculta por razões "inteligentemente" apresentadas para serem digeridas pelo grande público), então coloquem À PORTA DA REPÚBLICA o seguinte AVISO:

          TRABALHA ENQUANTO PUDERES (SE TIVERES TRABALHO) PARA SOBREVIVERES
          
          DEPOIS MORRE DEPRESSA E

          VAI MORRER LONGE

------------
Nota: Autor sem filiação partidária
  

14 de setembro de 2010

LE (PETIT ?) DÉJEUNER SUR L'HERBE

À noite, depois do jantar, o homem saiu de casa levando pela trela o pretexto para passear um pouco na rua. Era o Joli.
O cão cheirou nos troncos das árvores as urinas dos cães que o precederam. Deu três quartos de volta sobre a direita à volta de um tronco, depois outros três quartos de volta sobre o lado esquerdo. Encostou a ilharga ao mesmo, alçou a pata posterior direita e despejou três ou quatro esguichos. O dono olhou, satisfeito - em casa já não fará durante essa noite.
Andou, desandou, cirandou, cheirou arbustos  passou para a rua, voltou ao jardim, sacudiu as patas traseiras na relva.
Mais adiante cheirou outro tronco de árvore, hesitou quanto a abordá-lo sobre a esquerda ou pela direita, decidiu-se pela direita, alçou a pata. mas não conseguiu mais que esguicho e meio.
Voltou à ciranda, obrigando o dono a mudar a trela de mão e a tornear árvores. Chegou-se outro cão. Cumprimentaram-se cheirando, simultâneamente, a zona de entre-patas traseiras. Os donos disseram "Boa
noite" e seguiu cada um o azimute traçado pelo respectivo cão.
O passeio continuava, avançando, recuando, para a rua, voltando à relva e, novamente, para a rua. O canídeo acelerou o andamento a caminho da relva, esparramou-se sobre as patas traseiras e saiu-lhe do cu uma barra de "chocolate" redonda. Avançou um pouco, na mesma postura e sairam mais duas ou três e, a seguir, mais uma. O dono olhava, embevecido e pensou: - Mais um pouquinho e voltamos para casa.
E, assim foi.
As barras  de "chocolate" ficaram, mais ou menos alinhadas, na relva.

As crianças, na manhã seguinte, irão tropeçar nelas, pisá-las, cair sobre elas, fazendo-as confundir-se com com o jardim, que alimentarão.       

12 de setembro de 2010

MAUS ENCONTROS

Tem dias em que uma pessoa não pode sair de casa.
Logo à porta tropeçou numa pedra da calçada, ali deixada solta e ficou aos saltos, ao pé coxinho, agarrado ao pé, que andava a curar uma unha encravada.
Ainda a coxear, ia pelo passeio, cosido com a parede e tropeçou naquele vizinho, um unhas-de-fome, que não sente as dificuldades alheias e, mal vê um pobre-de-pedir, que lhe dá os bons-dias, fica casmurro, não responde e deita logo as unhas de fora.
Regressou a casa mal disposto, sem tomar o café na pastelaria. Pôs-se a fazer contas à vida, na ponta da unha, que tempo é dinheiro. Não foi difícil chegar à conclusão que tinha que cortar as unhas rentes. Aí verificou o sabugo. Com a pele, pareciam unha com carne e, pelo sim, pelo não, meteu os dedos dentro de àgua oxigenada. Evitou um panarício por uma unha negra.   L I V R A !!! 

9 de setembro de 2010

COMUNICA@ÇÃO.com

COMUNICA@ÇÃO.com


Eu comunico
tu comunicas
ele comunica
nós comunicamos
todos comunicamos
com a máquina
através da máquina
em tempo (quase) real
de forma rápida
e muito prática.

Assim convivemos
nestes tempos
de solidão informática.