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31 de dezembro de 2011

AMANHÃ...

... entra em vigor o chamado "Acordo Ortográfico", mas só a 3, porque falta a ratificação dos outros 5 países "portugalófonos" (lusófonos?).
Um dos princípios que estão escritos é: QUANDO AS NOSSAS CONSOANTES (QUER DIZER, NO PORTUGUÊS DITO "PORTUGUÊS DE PORTUGAL") SÃO MUDAS - CAEM; QUANDO SÃO PRONUNCIADAS POR NÓS (PORTUGUESES) - PERMANECEM.

AVISO:
Enquanto não me OBRIGAREM não vou adoPtar o Acordo.

Um óPtimo Ano Novo para todos.

28 de dezembro de 2011

POEMA PROSAICO EM JEITO DE AMEAÇA

A nós, cá no sul
resta-nos o sol.

Frialdades e neblinas
inverno quase todo o ano
águas geladas
depressões e suicídios
é nas terras do norte.

Por favor
deixem-nos, pelo menos, o sol,
o sol do sul.
Está bem?

Se não,
vamos suicidar... alguém.

25 de dezembro de 2011

PORQUE É QUE...

-... Jesus foi(é) filho único (do mesmo Pai)?

-... Deus tem a sorte de não ter vizinhos?

-... o mar não tem sossego?

-... o que parece nem sempre é?

-... ninguém é de ninguém?

22 de dezembro de 2011

EURO?

Eu euro
Tu euras
Ele eura
Nós euramos
Vós eurais
Eles... ouram, libram, coroam e exportam.

19 de dezembro de 2011

CONTO de... NATAL

Tarde a anoitecer, em período de campanha de Natal.
Ao mesmo tempo que vestia o sobretudo, acercou-se da porta entreaberta:
- Então, Boas Festas e Feliz Natal.
- O quê?! Já vai embora?!
- Agora, só no dia 2 de Janeiro.
- Como foi que conseguiu isso do chefe?
- Olha, querida: problemas com os velhotes, que estão lá para cima.
- Então, Boas Festas, também, sr. Gonçalves.

Saiu. Neste ano não brilhavam, na rua, tão intensamente as lantejoulas eléctricas como nos anteriores Natais da cidade grande. Caminhou pela rua, sobrecenho franzido, preocupado, com o rosto a ser atingido, alternadamente, pelas poucas luzes de várias cores, o que lhe conferia um aspecto carnavalesco, patético. Entrou numa rua secundária, onde parqueara o carro. Havia mais serenidade e menos luz. Aqui, o pequeno comércio, que ainda não fechou portas, sobrevive com mais dificuldade e não tem proventos para mandar instalar arcos iluminados ou transfigurar as árvores com flostrias eléctricas que "aquecem" corações, procurando fazer subir o volume das vendas.
Aproximou-se do carro e, ainda longe, pressionou o botão da chave para abrir as portas. As súbitas luzes do automóvel, brilhando em pisca-pisca, assustaram um vulto no vão da escada de um prédio próximo, que serenou ao ver que era um homem que se encaminhava para o seu carro. Enquanto apertava o cinto de segurança, o homem olhou pelo retrovisor e viu que era uma mulher de meia idade, vestida com um casacão escuro e velho e com um gorro de lã na cabeça. Estava a esquadrinhar o interior de um contentor de lixo, que já transbordava.
O homem continuou a observar pelo espelho. Agora, a mulher procurava ansiosamente, com ambas as mãos, quase fazendo cair o caixote.
Procurou uma moeda nos bolsos do casaco. Hesitou. Puxou a carteira do bolso interior e retirou uma nota de cinco euros. Hesitou entre a moeda e a nota. Decidiu pela moeda. Abriu a porta do carro. Quando colocava o pé esquerdo no chão, verificou que a mulher vertera totalmente o conteúdo do contentor de lixo nos degraus da entrada do prédio e, agora, esgaravatava, espalhando o lixo em volta. Aproximou-se. Ela olhou-o receosa, levantou-se e fez menção de fugir. O homem estendeu para ela a mão direita, segurando a moeda entre o indicador e o polegar. Ela ficou hirta, olhando-o nos olhos. Ele levantou mais a mão estendida, colocando-a à altura do peito dela. Ela olhou a mão, olhou o rosto do homem, pegou na moeda e meteu-a num bolso. Nada disse e ficou a olhar o chão.
Enquanto regressava ao carro, olhou o lixo espalhado nas escadas. Ao apertar o cinto de segurança olhou pelo retrovisor, certo de que a mulher teria ido embora. Não, continuava a revolver o lixo, ansiosamente.
Pôs o motor em marcha, continuando a observá-la, com estranheza. Num repente, ela levantou-se segurando e limpando uma pequena caixa de cartão azul, onde se viam impressas as estrelas douradas da União Europeia. Então, a correr, a mulher desapareceu por detrás da esquina do prédio.
O homem ficou absorto, mãos fixas no volante, com o carro a deslizar suavemente pela rua. Acordou assustado com o som da buzina de um carro atrás. Antes de acelerar, olhou pelo retrovisor. Era um carro grande, potente, talvez de marca alemã.

17 de dezembro de 2011

"ESPÍRITO de NATAL"

O seu "Espírito de Natal" foi-lhe transmitido:

- Pelo menino Jesus, o tal que nasceu numa manjedoura por falta de alojamento disponível e condigno e que, em adulto, foi cucificado OU

- Pelo Pai Natal, também chamado Papai Noel, Santa (Klaus), aquele velhote simpático e barbudo, que foi importado das terras frias e nevadas do norte da Europa OU

- Pelo ambiente delirante da 5ª. Avenida, em Manhatan, com muita luz nas ruas e muitas luzes nas montras, num fim de tarde de 6ª. F. em meados de Dezembro??

14 de dezembro de 2011

PATRIMÓNIO TRANS-NACIONAL III

"(...)
Eu cá pra mim
não há, ai não, maior prazer do que o selim e a mulher.
Rédeas na mão, sorrir, amar, trotar, esquecer
e digam lá se isto é descer.
(...)"

(Extracto da letra do "Fado Marialva")

PATRIMÓNIO TRANS-NACIONAL II

(...)
afinal, desventurada,quem és tu,
Rosa enjeitada?
Uma mulher que sofreu."

(Extracto da letra do Fado "Rosa Enjeitada)

PATRIMÓNIO TRANS-NACIONAL I

"(...)
Mas olha meu amor, eu não me importa
antes que fosses dela, eu já fui tua
podes sempre bater à minha porta
mas não passes com ela à minha rua."

(Extracto da letra do Fado "Não passes com ela à minha rua")

5 de dezembro de 2011

1 de dezembro de 2011

ADIVINHAÇÕES

1ª. - Quem terá escrito e publicado o texto que segue?

“ (…)
É profundamente errado que se crie na opinião pública o sentimento de que os reformados recebem as suas pensões a título de generosidade por parte da sociedade.
Como se as pensões lhes fossem atribuídas pelo Estado!
Como se vivessem à custa do Estado e dos impostos dos cidadãos!
O sistema de reformas resulta de quadros legais, ao abrigo dos quais os trabalhadores ao longo da vida contribuíram mensalmente, para um fundo, com mais de um quarto do seu ordenado – uma parcela paga por si próprio e outra paga pelo patrão que, naturalmente, lhes deduziu o ordenado nesse montante.
Assim, o sistema previdencial é fundamentalmente autofinanciado, tendo por base uma relação bilateral directa entre a obrigação legal de contribuir para o sistema e o direito às prestações.
Deste modo, só é aceitável alterar o regime contratualizado caso se prove que essa alteração é absolutamente imprescindível para a resolução dos problemas que enfrentamos.
O que não pode é ser alterado a título de simbolismo ou pretensa equidade porque isso é profundamente demagógico.
(…)”

2ª. - Quem terá afirmado nesta semana, na rádio, em directo, mais ou menos o seguinte:
“ Por exemplo: o Governo diz “Mata!” e logo os jovens parlamentares dizem “Esfola!” ?

RESPOSTAS

1ª. – Manuela Ferreira Leite, no caderno “Economia” do “Expresso” de 28 de Novembro p.p. – pág. 3.

2ª. – Bagão Félix, na RTP 1.

COMENTÁRIOS

Pode, por vezes, discordar-se das pessoas, MAS:

- Um efectivo social-democrata é social-democrata; não passa a ser social-democrata aquele que esteja inscrito num partido que se designe como tal.
- Um efectivo democrata-cristão é um democrata… cristão.
Assim:
- Assumam os liberais a sua qualidade de liberais (não se mascarem).
- Como na Beira se diz: “Não é por se chamar cavalo ao burro que o burro deixa de ser burro”.

27 de novembro de 2011

PENSÕES DOS ANTIGOS COMBATENTES

O Governo anunciou que as pensões, atribuidas aos antigos combatentes no tempo de S. Exª. o Ministro da Defesa Dr. Paulo Portas, não serão objecto de qualquer corte no Orçamento Geral do Estado para 2012.

Para quem não esteja informado se escreve AQUI que as referidas pensões se situam ENTRE 100 e 150 euros ANUAIS, repete-se ANUAIS, consoante o tempo de permanência em "teatro de operações" (ou seja, em combates), o quer quer dizer: desempenhando o teatral papel de personagem que, a cada momento durante esses longos momentos, poderia MORRER, ou seja, perder a vida entre os seus 22 e os 24 anos de idade.

Muito obrigado, Sr. Governo!

24 de novembro de 2011

ALÔ, ITÁLIA !!

Quando o PM é um dos "nossos", wir/nous(Merkozy) convocamos uma CIMEIRA até mesmo com um italiano!!
(Verstehen sie sich/Avez vous compris?)

18 de novembro de 2011

INIQUIDADE FISCAL

O patrão Estado decidiu (através do Governo) não pagar ("reter"...) 50% do subsídio de Natal aos:
- funcionários públicos e aos
- pensionistas e aos
- reformados.

Se o mesmo Governo decidir descontar IRS sobre os tais 50% que decidiu não pagar, será uma injustiça tremenda, pois que IRS é o acrónimo de "Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares".
Então, os acima mencionados 50%, ou seja, a quantia que não receberam, é rendimento?

EM TEMPO:

- Sabendo que está anunciado (consta da Proposta do Orçamento de Estado para 2012) o corte do subsídio de férias e, também, do subsídio de Natal, ocorrerá situação idêntica se o Governo vier a fazer incidir IRS sobre esses subsídios que não vão ser pagos em 2012, provocando, assim, DOIS DESCONTOS de IRS sobre duas iguais quantias, em cada um dos meses em que esses subsídios deveriam ser pagos.

- É que, caso a situação acima se venha a verificar, o vencimento líquido correspondente a cada um desses meses será inferior ao de todos os outros meses em que não está previsto qualquer subsídio!!!

- Será que não é óbvio que, se isso acontecer, é uma iníquidade?

REORGANIZAÇÕES

- Foi decidida contenção de custos nos hospitais (profissionais, serviços a prestar, materiais...).

- Foi decidido aumentar os lugares nas prisões e aumentar os quadros de pessoal das polícias.

QUESTÃO:
- Será que vão ser feitos internamentos de doentes (e afins) nos estabelecimentos prisionais?!

17 de novembro de 2011

VIDEOVIGILÂNCIA

Câmaras de video-vigilância nos espaços públicos:

- Segurança! Segurança!
OU
- BIG BROTHER ?

16 de novembro de 2011

PAPADEMOS

Papademos, Lucas.
Futuro PM da Grécia.
Papa demos. Se "demos" são aquilo que se chama OS MERCADOS, convém ter presente que não são possíveis de "papar" ou de "racionalizar", dada a sua imprevisibilidade e a sua IMPESSOABILIDADE.
Leia-se o que escreveu Daniel Oliveira no "Expresso" de 8 de Outubro p.p. (excertos):

«(...)
A dimensão, a rapidez e a complexidade com que os mercados financeiros hoje funcionam estão para lá das capacidades dos homens e das suas instituições.

(...)
O algoritmo de um operador no Kansas gerou automaticamente 75 mil contratos a prazo sobre a variação de um indice bolsista. Lançou o pânico noutros computadores de bancos e fundos de investimento. Em catorze segundos os contratos mudaram de mão 27 mil vezes. São isto os mercados, e não umas pessoas conscienciosas que analisam cuidadosamente os resultados económicos de empresas e Estados.

(...)».

11 de novembro de 2011

INFORMAÇÃO / DESINFORMAÇÃO / CONTRA-INFORMAÇÃO

Um homem vê-se "grego" para assimilar/apreciar/ajuizar sobre tanta informação (verdadeira/falsa/mutável/contraditória), seja ela nacional ou internacional. Talvez consiga chegar à maioria (a possível), mas 30 horas por dia não são suficientes.

10 de novembro de 2011

REALIDADE ?

Para tanta, tanta gente nada parece ser melhor que viver uma vida de faz-de-conta, também chamada de "realidade virtual". (Realidade?! Virtualidade!)

NÃO AVISOU

Afinal o PR não AVISOU o Presidente Obama. GARANTIU que Portugal cumprirá.

O Presidente Obama deve ter ficado aliviado com a garantia de cumprimento.

Mas essa afirmação deve ter provocado o equívoco de que o PR é, além de Chefe de Estado, também o chefe do Governo, como acontece nos E.U.A..

7 de novembro de 2011

LEITURAS

Cá em casa temos muito cuidado com as leituras que possam ser deixadas ao alcance das crianças.
É o caso dos cabeçalhos de jornais como este:
«ATÉ ONDE IRÁ A RECESSÃO em 2012?».

6 de novembro de 2011

AVISO

Ficam todos avisados que o PR já tinha avisado.
Fica, igualmente, avisado o Presidente Obama.

2 de novembro de 2011

PARADOXO

Quem poderia imaginar, há um ou dois anos, que a forma mais democrática de decidir sobre um problema de um povo (que habita a terra onde a própria democracia nasceu) iria fazer abanar a Europa? (Pelo menos...)

1 de novembro de 2011

NOITE E PALAVRAS

Ao fechar a agenda
no fim de cada noite
se constata o consumir dos dias.

São as noites que fazem
o balanço do tempo
das horas inúteis
dos dias passados
a ausência dos rostos
o diluir das formas
a fuga das cores
a presença de insónias
o silêncio
e o regresso das palavras.

31 de outubro de 2011

BRUXARIAS

Não se entende porque razão os portugueses não correspondem aos apelos de padres e afins e de governantes e arredores para que haja:
- aumento da natalidade e
- aumento da poupança.

É perfeitamente incompreensível! (Só para eles...)

Talvez se consiga com umas BRUXARIAS (aproveitando o dia de hoje).

28 de outubro de 2011

DEFICIENTES CAPILARES

ASSEMBLEIA DA RES-PRIVADA

Em-vez-de-lei nº.0001/2011
de 28 de Outubro

A Assembleia de Res-Privada decreta, nos termos das suas competências, para valer como Em-vez-de-lei, o seguinte:

Verificando-se estarem a ser invocados diversos regimes de excepção no sentido de se furtarem à aplicação de medidas constantes no Orçamento Para-familiar de 2012, entendeu esta Assembleia ser de elementar justiça legislar no sentido de ser reconhecido, também, um regime de excepção a alguns cidadãos portadores de capillaris deminutio.

Artigo 1º.
1 – Aos funcionários públicos que sejam destituídos de, pelo menos, metade da sua estrutura capilar superior (ou seja, na cabeça), não serão retidos os subsídios de férias e de Natal.
2 – A prova da perda capilar, para os efeitos desta Em-vez-de-lei, será efectuada por comparação entre as fotografias constantes dos processos de admissão e as fotografias que os requerentes deverão apresentar juntamente com os seus requerimentos.

Artigo 2º.
O regime previsto no Artigo 1º. é aplicável aos reformados e pensionistas, com as necessárias adaptações.

Artigo 3º.
1 - Os recursos das decisões que venham a negar aos requerentes a não retenção prevista no Artigo 1º. serão apreciados por um representante desta Assembleia da Res-privada e por um barbeiro ou cabeleireiro designado pelo recorrente.
2 – Da decisão que venha a ser tomada nos termos do número anterior não haverá recurso.


Aprovada em 28 de Outubro de 2011.
Publique-se.

27 de outubro de 2011

FALARAM SOBRE OS FERIADOS...

... e da intenção de as "pontes" serem eliminadas.

ASSIM, em 2012, teremos que comemorar o "Dia 25 de Abril" (3ª. Feira) no dia 24 de Abril...com todos os equívocos (intencionais ou não) que daí possam advir.

MAS...
façam-nos o favor de deixar bem claro que, apesar de haver quem aprecie "hamburguers" e "hot-dogs", tanto o:
- "Saint Valentines' Day" (chamado "dia dos namorados") como o
- "Halloween" (chamado "dia das bruxas"),
NADA têm a ver connosco!!!

É que, pelo "andar da carruagem", em futuro próximo estaremos a comemorar também:
- o "Thanksgiving Day" e
- o "Independence Day".

26 de outubro de 2011

VINHOS

WINE talking and drinking is not only a way of appreciating, degusting and socializing. It is STYLE. (... and FINE business to the sellers).

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(Assim, dito em inglês, tem outro "charme").

25 de outubro de 2011

… CÍDIO

O empregado colocou na mesa a travessa fumegante com ovas cozidas em faustosa abundância, batatas, feijão verde e ovo.

O homem interrompeu o diálogo com a senhora ao seu lado direito, puxou a cadeira para mais próximo da mesa, colocou a ponta do guardanapo entalada entre o colarinho da camisa e o pescoço, agarrou nos talheres, olhou em redor e vociferou para cima da mesa, procurando ser ouvido por todos os presentes na sala:
- Ora vamos lá a acompanhar o camarada Adolfo, praticando mais este genocídio…
Ouviram-se gargalhadas em redor.

O homem em contraponto agarrou o copo cheio de vinho tinto para o atirar ao nariz do declarante, mas, em vez disso, partiu o copo entre os dedos e a palma da mão, sujando a toalha e fazendo saltar um ah! às senhoras sentadas na mesa.

O declarante de genocídio olhou-o, inquiridor, tentando perfurar-lhe as profundezas do cérebro. O outro olhava-o, também fixamente, enquanto sangue e vinho se misturavam na tolha da mesa. Levantou-se com um guardanapo enrolado à volta da mão. Caminhou para a saída e, já no hall, ficou oscilando entre tomar o caminho da casa de banho ou da porta da rua. Alguma coisa o fez voltar-se e viu atrás de si o devorador de ovas, parado, olhando-o com ar ameaçador. Voltou-lhe as costas. Ficou parado, cabeça erguida, fez o corpo rígido e soltou um sonoro traque. (Imediatamente pensou: - Foi personalizado, mas não foi o melhor argumento).

Encaminhou-se para a porta da rua e saiu.

23 de outubro de 2011

DEIXEM O MERCADO FUNCIONAR

Será que tem consciência de quantas chaves, combinações, segredos, códigos, etc…, usa no seu dia-a-dia e dos quais vive totalmente dependente?
Por que necessita de todas essas chaves e defesas? Porque tem medo. Sim, medo, cautela, receio, terror até. Que outras pessoas ou organizações possam invadir os seus bens, o seu espaço. E, então, bloqueia os acessos. Podem ser valores vários que quer proteger, incluido conhecimentos que não quer ver expostos ou ao alcance de outros. Principalmente matéria de carácter comercial ou industrial.

O seu concorrente, próximo o afastado, usa, também, códigos segredos, chaves, combinações, talvez mais eficazes que aqueles que você tem. Pelas mesmas razões – para se defender dos concorrentes. Você incluído. E o outro, o outro, o outro do outro e os outros dos outros também.
Claro que há quem queira entrar nos espaços e conhecimentos que você vem protegendo para, pura e simplesmente, se divertirem com as suas tentativas de defesa, provocando ou não danos. Para estes, como é óbvio, também lhe são necessárias essas mesmas defesas.

Há, também, aqueles cuja actividade é, como especialistas nessa arte de impedir, afastar, defender, bloquear, ocultar, barrar, criarem novas chaves para que você e outros as comprem, continuando, assim, a melhorar os meios de impedir o acesso a outros. Mas que, lhe permitam, também, quebrar as chaves e segredos de outros que consigo concorrem…
Esses especialistas também concorrem entre si procurando meios para destruírem as estruturas de defesa criadas pelos seus próprios concorrentes, com o objectivo de destruírem organizações que podem ter levado muitos, muitos anos a montar.

MAS,
Não falando de chaves e segredos, alguns intervenientes nos mercados procuram usar uma “criatividade” contínua e uma “agressividade” constante, sem princípios, lutando por quotas de vendas que sonham vir a atingir os cem por cento, empurrando todos os seus concorrentes para fora do seu campo de actividade comum – para fora do seu mercado. Tudo em nome da livre concorrência.
Qualquer intervenção do Estado, com boas intenções, no sentido de corrigir excessos ou, até, de perseguir matéria criminal, não é (na opinião deles) boa… para o (deus) Mercado.

22 de outubro de 2011

VINGANÇA

I

Porque vieste
apetece-me ser cínico
queimar borboletas
queimar flores
apagar estrelas
tapar o sol
dizer que o amor é uma questão
de mais ou menos fricção.

II

Falas de auto-suficiência
e aí sinto a angústia de o homem não ser deus;
falas, falas e tens a aparência
do cansaço de um riacho correndo com indolência.
Falas a voz da auto-suficiência
hora a hora vivida
com raiva? medo? calma?
Falas como uma deusa discorrendo
sobre o custo de vida ou a imortalidade da alma.

19 de outubro de 2011

O HOMEM QUE TEM UMA LISTA EM EXCEL

O homem tinha elaborado, com a colaboração de alguns amigos, uma lista de clientes, simpatizantes, indiferentes, concorrentes, amigos, inimigos, conhecidos e desconhecidos. Assim foram coligindo nomes, telefones, moradas. Então o homem acrescentou-lhes profissões, ligações familiares e políticas, gostos, desgostos, preferências, fobias e tudo aquilo que lhe pareceu poderia ser útil para investigação profunda de cada uma das pessoas.

Quando adquiriu alguns conhecimentos informáticos entendeu que seria útil, prático, aconselhável colocar toda essa informação em EXCEL.
A partir daí toda a informação que recolhia passou a ser dele, só dele e de mais ninguém.
Agora só ele a pode usar, alterar, reduzir, aumentar. Defende-a de todos e contra todas as tentativas de intromissão e usa todos antivírus conhecidos ou imaginados, incluindo os que estão, ainda, em experiência.

MAS…
Ninguém adivinha, imagina ou sonha que o homem planeia manipular, controlar, dominar o mundo (!) usando a sua própria e exclusiva base de dados EXCEL.

18 de outubro de 2011

A RUGA

Há uma ruga no canto direito da boca dela. Colocou-se a cerca de um centímetro da comissura dos lábios, exactamente onde começa a nascer a bochecha.
A ruga permanece o mais do tempo disfarçada numa leve sombra de sulco da pele, como que em alerta permanente, à espreita do momento, dos momentos adequados para aparecer e... atacar os mais próximos. É uma linguagem muda, expectante, espera ansiosa, susto contido e (talvez) despeito.
Aparecia, por vezes, quando se abordavam temas como segurança no trabalho, família e... futuro.
Recentemente, nestes tempos que estamos a viver, sempre que a vejo, a ruga está sempre presente. Ao que parece, instalou-se definitivamente.
Será que se vai atenuar a partir do ano de 2014?

17 de outubro de 2011

A ENTREVISTA

Da entrevista de hoje, concedida por S. Exª. o Ministro das Finanças à RTP1 (ou, mais propriamente, ao entrevistador At.,Vener. e Obrigado), resultou que:

1 - Aprendemos com o Sr. Ministro que se deve começar por responder às perguntas formuladas fazendo juizos de valor sobre as mesmas, enaltecendo, nomeadamente, a pertinência e a importância das mesmas;

2 - Quando não nos convem responder à pergunta formulada, começar a resposta por: "O que me quiz perguntar foi que..." e passar a uma matéria menos incómoda (porque sabemos, desde o início, que o entrevistador não irá repeti-la);

3 - Convem usar uma postura e linguagem jesuítica;

4 - Ficámos a saber que estamos a trabalhar "para troika ver", tal como, em oitocentos, era "para inglês ver";

5 - Trabalhando, como S. Exª. o Ministro explicou, entraremos num "ciclo virtuoso" (inicialmente pareceu dizer "ciclo vicioso").


NO ENTANTO,
Houve uma nota positiva (ou quase) - foi a presença em estúdio da "mosca" representante dos contribuintes.
Mas a frustração foi grande - depois de tantas, tantas investidas, a "mosca" nossa representante não conseguiu picar o pescoço de S. Ex.ª.
Talvez que as luzes e as câmaras (a que não estava habituada) a tivessem perturbado. Mas que tentou...tentou!

16 de outubro de 2011

AVISO

Está a ligar para um assinante que já não pertence à Esperança.
Passou a ser assinante da Incerteza.

14 de outubro de 2011

OS "CAIXOTES DOS RETORNADOS" (1975)

Todos os que residiam ou passaram por Lisboa e observaram a zona ribeirinha durante o final de 1975 e em 1976, viram os "chamados "caixotes dos retornados" de Angola, colocados nas margens do rio Tejo, em terrenos do Porto de Lisboa. Foram diminuido de número ao longo do tempo, mas muitos por ali permaneceram, adivinhando-se a sua deterioração.

O DRAMA que esteve na origem da construção desses caixotes era tenuamente apercebido pelo cidadão comum que os observava de longe.

Ora, o texto abaixo transcrito do livro "S.O.S. ANGOLA" (págs. 156 e 157) de Rita Garcia, editado pela Oficina do Livro (Setembro de 2011), dá-nos, agora, o "filme" da construção desses caixotes e do desespero de quem se via obrigado a partir. (Convirá lembrar, no entanto, que a grande maioria dos chamados "retornados" viajaram/fugiram para Lisboa sem terem tempo para empacotar sequer os bens valiosos ou os que lhes eram afectivamente mais caros).

As partes do texto abaixo transcrito que se encontram entre aspas são, pela autora, identificados com transcrições do "Jornal de Angola".

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«No Verão de 1975, os habitantes de Luanda andavam numa azáfama a construir caiotes de contraplacado. Os "carpinteiros de última hora" a que se referia o "Jornal de Angola" trocavam dicas uns com os outros e aprendiam como fazer contentores de madeira suficientemente robustos para atravessarem o Atlântico. Os mais habilidosos pegavam em serrotes, martelos e pregos - cujo preço subira em consequência do aumento da procura -, e punham eles mesmos mãos à obra. Montavam caixotes que mais pareciam casas e arrumavam lá tudo, "da geleira ao fogão, passando pelo mais simples tareco". Os outros ficavam à mercê do ""Zé Oportunista" (...) que explorava o vizinho, o amigo deste e daquele", cobrando o que queria pelo serviço. Nos quintais ou em plena rua, o barulho dos martelos estendia-se até altas horas da madrugada e só cessava quando o trabalho estava pronto.
No meio da cidade de betão, Ryszard Kapusciuski viu surgir uma outra cidade, de madeira, que espelhava, tão bem como as casas, as diferenças de estatuto social dos proprietários. As famílias mais endinheiradas tinham contentores maiores e de melhor qualidade, com tamanho suficiente para arrumar o conteúdo de salas, quartos e cozinhas, incluindo sofás, roupeiros, mesas, frigoríficos, cómodas, fotografias de casamentos e das principais etapas da vida dos filhos, cadeiras de braços, tapeçarias, vasos e até flores artificiais. Os mais pobres aproveitavam os materiais que apanhavam para fazer os seus caixotes e punham lá dentro o que coubesse.
Havia quem construísse os contentores durante o dia, mas todos esperavam pela noite para os encher. Como o mais provável era que os caixotes ali ficassem algum tempo depois de os donos deixarem Angola, o melhor era que ninguém visse o que lá estava dentro para evitar que fosse alvo de assalto.
À medida que os colonos foram partindo para Lisboa, as ruas perderam vida e restou apenas o silêncio e o cheiro da cidade de madeira.
Durante muito tempo foi assim, até que os camiões começaram a levar tudo para o porto, quarteirão a quarteirão, e Luanda ficou livre da última ocupação portuguesa.»

13 de outubro de 2011

12 de outubro de 2011

HIPERSENSIBILIDADE

Vivo angustiado vendo a economia a decompor-se, calculando o agravamento dos impostos já anunciados e imaginando outros, novos, que ainda poderão surgir.

O défice, a dívida externa tiram-me o sono.

No entanto, dizem que as exportações crescem. Não as vejo, mas valha-nos isso.

Saio à rua para apanhar ar, respirar. Por enquanto não está sujeito a imposto.

Uma vizinha, que entende que tenho cara de confessor ou de muro de lamentações, corta-me o passo:
- Bom dia. Então não quer saber que, agora, o meu marido diz que não consegue dormir por causa do barulho dos cabelos a crescerem-lhe. Diz que os que o incomodam mais são os que tem por cima das orelhas.

Fujo-lhe. Mas, repentinamente, paro e penso: - Quantos mais Outonos haverá?

9 de outubro de 2011

DESEMPREGADO

- Um homem sente-se encurralado entre o tempo a mais, sem fazer nada e a falta de dinheiro. Parece que os dias nunca mais acabam. E as noites ainda são piores.
Um homem pensa, pensa de mais e o tempo é muito. Nunca tinha pensado tanto e com tanto tempo para pensar. E pensa-se coisas que... passam assim pela cabeça de um homem...
As portas não são portas que se abrem. Só se sabem fechar. Pensa um homem nas portas a que ainda possa ir bater e na vergonha de ver as portas que se fecham.
E há tanto tempo para se viver, se... se viver...
Antigamente, trabalhando, sonhava com Domingos de sol e de futebol. Agora, o pior são os Domingos de sol. Só se sai, a maior parte das vezes, à noite ou em dias de chuva. Falta a vontade de fazer a barba e de lavar a cara.
As mãos a mexer, a mexer e a remexer os dedos. As mãos a fazer nada.
O que mais custa é um homem ficar a olhar para as mãos. Assim...

8 de outubro de 2011

EXECUTIVOS

Não há muitos anos, os gestores eram fotografados à sua secretária (a mesa, não a senhora), com a caneta na mão, tendo a ponta (da caneta) apoiada sobre uma folha de papel, encarando, com ar sério a objectiva. Parecia haver a preocupação de transmitir a ideia de que sabiam escrever.
Afastavam-se, assim, as dúvidas em todos os espíritos, principalmente dos accionistas mais cépticos. Ou porque haveria, ainda, quem se recordasse do antigo Regimento de Disciplina Militar, que determinava que os sargentos deviam saber ler e escrever porque os senhores oficiais poderiam não saber.

Agora, passados alguns (bastantes) anos, a postura é outra. Os gestores são fotografados de pé, com os braços cruzados no peito, encarando a objectiva de lado. Há algumas variações no semblante - uns sorriem com aspecto simpático, outros riem abertamente, outros, ainda, estão de sobrolho carregado. Há, também, quem, mantendo os braços cruzados, levante o peito, com ar altaneiro, agressivo, desafiando (talvez) a concorrência.
Esta nova atitude, em pé e de braços cruzados, dá-nos uma imagem mais real do que deve ser um gestor de empresa, de empresas ou de empresas em grupo.
O ramo de actividade poderá, também, influenciar a atitude... Assim, os que riem, serão, talvez, gestores de empresas de entretenimento, organização de eventos ou actividades afins; ou estarão satisfeitíssimos com a sua realização pessoal. Os de sobrolho carregado poderão ser gestores de empresas de segurança ou de uma qualquer empresa que tenha tido maus resultados; ou, talvez, estejam tentando transmitir para os senhores accionistas uma imagem de competência e responsabilidade.
Claro que poderemos, também, imaginar que todas aquelas fisionomias têm apenas e só a ver com o tipo comportamental do fotografado ou do seu estado de espírito naquele momento; ou que serão directamente proporcionais ao grau de importância que se atribuem a si mesmos.

Certo é que ser fotografado em pé transmite uma imagem de maior dinamismo, acção, do que ser fotografado sentado e armado de uma simples caneta (mesmo que seja de ouro). A não ser que imaginemos que, cada penada no papel, é mais um acto executivo.

De notar, também, que a postura erecta e de braços cruzados, esteja sorridente ou carrancudo, tem um pormenor que lhes é comum - a manga do casaco e o punho da camisa estão suficientemente subidos para permitir que se veja o relógio de boa marca, afivelado a um dos punhos.

É claro que é necessário mediatizar as empresas e... os seus gestores executivos. É desejável que sejam publicitados para que seja notória a actividade e a existência da empresa. Publicitar só a empresa, os seus produtos ou serviços, é coisa do antigamente. Os gestores querem-se no mercado, no espaço público, na comunicação social, nas bocas-do-mundo.

Em futuro próximo veremos os gestores da nossa praça e de outras praças vizinhas e afins, desfilarem pelas nossas ruas e avenidas, em passo enérgico e firme, olhando bem ao alto e em frente, como em marcha militar, uniformizados com fatos de bom corte e gravatas de seda de cores garridas, que sejam visíveis, pelo menos, a um quilómetro de distância.
À frente seguirão os "Chief Executive Officers" (que é a denominação que, em Portugal, é dada aos administradores-delegados e afins), em mangas de camisa, com elas arregaçadas até meio do braço (como convém a homens de acção), transmitindo um aspecto dinâmico, decidido e executivo. Atrás irão os outros gestores (mais ou menos executivos), todos marchando de cabeça erguida e todos gritando bem alto, a plenos pulmões:
- Nós somos bons, nós somos bons, NÓS SOMOS MUITA BONS!!!!

Tamanha grandiosidade imaginará (sempre!) os aplausos vindos das janelas e das varandas, ao longo das ruas e avenidas, que, para eles, serão como pétalas de flores lançadas sobre esses cérebros passantes, que, indiferentes, as irão pisando, pisando, pisando...

5 de outubro de 2011

E-BOOKS

De um jornal:

«O processo de introdução e divulgação em curso dos e-books em suporte digital adequado, contendo, inclusive, obras mais ou menos volumosas, faz lembrar os tempos iniciais do telemóvel. Durante muito tempo muita gente lhes resistiu. Agora toda agente tem um.»

Ora, a comparação não está correcta.
O telemóvel foi/é utilizado para transmissão de texto oral ou escrito não previamente definido, destina-se a resolver uma necessidade actual e sempre diversa, há transmissor e receptor em tempo real e, por outro lado, a origem e o destino desses textos são (quase sempre) diferentes. Nada disto acontece com os e-books.

Quanto aos e-books podem colocar-se diversas questões. Por exemplo:
- Que books serão introduzidos nos suportes digitais? Em que idiomas? Traduções ou originais?
- Os autores serão diversificados ou só aqueles que (por razões publicitárias ou outras) se prevê terão (maior) mercado?
- Que lugar haverá neles para autores iniciados e com talento (talento que poderá não estar, ainda, reconhecido)?
- Serão só destinados (exclusivamente) a obras de autores clássicos ou consagrados?
- Que oportunidades de publicação terão autores nacionais de países com uma dimensão idêntica a Portugal?

Em resumo:
A divulgação e a EXCLUSIVIDADE de literatura e-book levará à massificação, à monotonia e à morte da criatividade literária.

3 de outubro de 2011

INCOMPETÊNCIA

O multi-multi-multitrilionário e investidor Joseph Banks Corporations Banks, muribundo, olhou com desprezo o seu assistente espiritual (e consultor financeiro) e, a custo(quase-zero), disse-lhe:

- Você é um incompetente! Se me tivesse avisado que eu havia de morrer, eu teria investido tudo na via eterna.

29 de setembro de 2011

O FIM DO MUNDO

- Nunca vi tanto desespero como agora. É só desemprego, desemprego. Em todo o mundo. Não viste na televisão? Fecham fábricas todos os dias. É a fim do mundo que aí vem.
- Fim do mundo, o quê, ti Jaquim?!
- Ora, então vê lá. Nevou no Alentejo. Filhos matam os pais. Pais matam os filhos ou faltam ao respeito às filhas. Há inundações por toda a parte. Terramotos como nunca se viu. São os sinais!
- São os sinais de quê, ti Jaquim?
- De que vem aí a fim do mundo.
- Ó ti jaquim, vossemecê tem cada ideia. Fim do mundo...
- Está na Biblia Sagrada, rapaz. São os sinais. Alguma vez no tempo do meu pai ou do meu avô (que Deus os tenha) se viam cousas destas?
- Ora, isso é da poluição, dos fumos das fábricas e... dos carros. Isso vejo eu na televisão.
-Fumos? Quais fumos? É dos fumos que as pessoas se matam umas às outras? Pais, filhos, irmãos? E os terramotos...
- Ti Jaquim, vossemecê pensa demais. Qualquer dia ainda o vão levar daqui num colete-de-forças. Quem pensa demais dá em maluco. Como aquela em que vossemecê tem a mania de dizer que cantar as Janeiras é assim a modos de pedir esmola sem ter vergonha de pedir. Vossemecê tem cada ideia!
- Nã te rias, Zé, nã te atravesses com outra conversa. Ainda és muito novo. Alguma vez se viu uma coisa como aquilo na América dos aviões a arrebentarem com aquelas casas tão grandes? Ou como há dias aquela onda gigante que engoliu quase países inteiros?
- Ó ti Jaquim, então diga lá como vai acabar o mundo.
- Olha, da primeira vez foi com o dilúvio. Agora vai ser com tremores de terra, fogo, enxofre a arder, para purificar isto tudo. Para começar tudo outra vez, limpo de pecados. Assim Deus, Nosso Senhor, quer para bem da humanidade.
- Espero que não seja no meu tempo.
- Não sei. Só Deus sabe.
- Ao menos que seja quando eu já não puder com as botas, quando um homem chegar à poda raza.
- Não sei. Só Deus sabe. É a fim do mundo, é o que eu te digo.
- Vossemecê pensa muito, pensa demais. As pessoas passam por si e já nem lhe dão a salvação.
- Pois, diz-lhe que sim... Olha e ainda há-de vir um tempo em que o dinheiro não vale nada. Ninguém o vai querer.
- Depois, vossemecê também lê demais. Ou não? Isso tudo é que lhe faz essas fezes na cabeça.
- Leio demais? Vocês só lêem os jornais da bola. Quando lêem...
- Diga-me lá, ó ti Jaquim. É verdade que vossemecê lê o Livro de São Cipriano?
- Ó rapaz, isso são balelas. Essas cousas de negócios com o diabo são manias dessas velhas malucas. Eu quero andar sempre na companhia de Deus, Nosso Senhor.
- Tão malucas como as suas. Como agora essa do fim do mundo...
- Pois. Vai vendo e olhando e vais ver se dois e dois não são quatro. É tão certo como eu estar a ver-te com estes dois que a terra há-de comer. E depois é só dívidas, dívidas... e desgraças. Como é que se vai resolver isto tudo?
- Ó ti Jaquim, então inda agora disse que acaba tudo queimado e depois diz que vai morrer e ser enterrado...
- Vai ser depois de mim, mas não demora muito tempo. Já são muitos sinais.
- Olhe que isso é conversa que não leva a nada.
- Tu é que sabes...
- Até já nem o prior tem paciência para o aturar. É verdade ou não que ele já nem o quer ouvir em confissão?
- Eu não tenho nada para confessar. Ele é que não quer ouvir falar no que diz a Biblia Sagrada.
- Ou nas suas maluquices.
- Ai é? Maluquices? Então ouve lá isto que eu te vou ler. Da Biblia Sagrada. Isto aqui:
"E, tendo aberto o sexto selo, olhei e houve um grande tremor de terra e o sol tornou-se negro como um saco de cilício e a lua tornou-se como sangue; e as estrelas caíram sobre a terra, como quando uma figueira lança de si os figos verdes, abalada por um vento forte; e o céu retirou-se como um livro que se enrola e todos os montes..."
- Já chega, ti Jaquim.
- E isto aqui:
"E o primeiro anjo tocou a sua trombeta e houve granizo e fogo misturado com sangue e foram lançadas sobre a terra, que foi queimada na sua terça parte; queimou-se a terça parte das árvores e toda a erva verde foi queimada; e o segundo anjo tocou a trombeta e foi lançado no mar como se fosse um monte a arder em fogo e tornou-se em sangue a terça parte do mar; e morreu a terça parte..."
- Já chega, ti Jaquim. Já chega!
- Ah, vais-te embora? Vais ver, porque ainda és muito novo. É a fim do mundo que aí vem. Eu bem vos aviso, mas não querem crer.

27 de setembro de 2011

INDEPENDÊNCIA VI (e última)

Nada de novo há a dizer.
Já cansa!
O tema repete-se e é explicado(?), repete-se e... é repetido.
Venham as eleições de 9 de Outubro e (antes ou depois) que lhe seja entregue o "miminho da Troyka".
Não mais pendências da independência.

FINIS.

24 de setembro de 2011

INDEPENDÊNCIA V

Ontem o maior da Madeira voltou a insistir:

- "Deiam-nos" a independência!

Hoje disse que foi só uma força de expressão.

---

Afinal, senhores, em que ficamos?!

22 de setembro de 2011

A EXPLICAÇÃO

Interpelada pela repórter de um canal de TV sobre se havia algum problema na Madeira, uma mulher madeirense, localmente BEM informada, respondeu:

- Temos uma "deveda", mas a culpa é dos cont'nentais.


(NOTA: Dídida não reportada, que o maior do arquipélago reconheceu muito recentemente - há poucas horas - e depois das palavras transcritas acima, ser de 5.000 milhões de euros).

20 de setembro de 2011

CITAÇÃO XXVIII

"JURIS PRAECEPTA SUNT HAEC:
HONESTE VIVERE; ALTERUM NON LAEDERE; SUUM CUIQUE TRIBUERE."

Justiniano
«INSTITUTIONES"

(NOTA: Os preceitos acima podem ser re-encaminhados para a pessoa que entenderem, pois que a obra já caíu... no domínio público - e não irá afectar o... domínio privado de qualquer ilha ou ilhota).

18 de setembro de 2011

TEIAS

Cada aranha
a sua teia
outra teia outra manha
outro tipo de aranha
quando a força lhe esmorece
também se enleia
na teia que outra tece.

16 de setembro de 2011

INDEPENDÊNCIA IV

Fomos hoje acordados com a notícia da descoberta de mais uma "ilha" no arquipélago da Madeira: um novo "buracão" de muitos, muitos milhões de euros cúbicos.
Vão, mais uma vez, os cubanos do Cont'nente, também designado localmente por "rectângulo", contribuir para tapar o buracão, à custa dos vencimentos dos trabalhadores e das pensões dos reformados?

Independência JA´!!!!

14 de setembro de 2011

CITAÇÃO XXVII

"... A consciência das dificuldades impede o facilitismo, enquanto a consciência das alternativas impede a autoflagelação. ..."

Boaventura de Sousa Santos
«PORTUGAL - Ensaio contra a autoflagelação» - pág. 154
ALMEDINA

13 de setembro de 2011

OS "SUJEITOS PASSIVOS"

A legislação fiscal designa o cidadão contribuinte por "sujeito passivo". E tão passivo é, que o legislador passará a designá-lo por "sujeito passivo atado de pés e mãos".

12 de setembro de 2011

EMENTA (extracto)

".............................................................
..............................................................

xxx

Servimos, também, contribuintes bem passados, cozinhados em lume brando; devem ser mastigados lentamente e em pedacinhos, de modo a que a degustação seja prolongada, até que surjam novas e sucessivas fornadas de outros contribuintes, que serão, também, durante longo tempo, colocados em marinada de impostos, taxas e derramas, antes de serem consumidos."

6 de setembro de 2011

ENTREVISTA

Ouvindo hoje o Ministro das Finanças em entrevista televisionada pode concluir-se:

- Que, para se ententer alguma coisa, melhor será consultar os Oráculos;
- No entanto, ficou entendido que Portugal está à venda. Melhor dizendo: vai estar à venda.

5 de setembro de 2011

AVISO



Avisam-se os senhores consumidores de ar que, durante a próxima semana, o preço da "Unidade de Volume" de ar será acrescido de três cêntimos como consequência da subida das cotações do oxigénio nos mercados internacionais.

O Conselho de Administração

(assinaturas ilegíveis)

___________

NOTA DA REDACÇÃO
Esta é a vigésima segunda vez que o preço da "Unidade de Volume" é agravado desde a privatização da Companhia Respiradora, S.A., que ocorreu há cerca de um ano.

4 de setembro de 2011

INDE...PENDÊNCIA III


Ora,
se a pendência é, como disse (que disse), "insustentável",
logo,
a independência será sustentável.

Portanto:
Sustente-se!

3 de setembro de 2011

ORAÇÃO

Livrai-nos Senhor dos EXPERIENTES de experiência feita somente nos gabinetes de organizações internacionais ou na vida universitária.

(Hei, man!)

2 de setembro de 2011

INDE... PENDÊNCIA II



O "plano de resgate" da República Portuguesa, previsto e contido no Memorando de Entendimento assinado com a assim denominada Troika, incluia ou não as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (como parte integrante do Estado Português)?

Qual a razão que justifica o desejo agora manifestado pela R.A. da Madeira de negociar um outro documento "paralelo" com a Troika (embora passando por Lisboa)?

Procurará um reconhecimento tácito (e faseado) de independência (...) ou somente o habitual tratamento "personalizado", agora não só de Lisboa (embora via Lisboa)?

31 de agosto de 2011

INDE... PENDÊNCIA

I

O maior das ilhas da Madeira e Porto Santo ameaça declarar a independência...

II

... ou talvez não.
Ao que parece, já foi encontrada solução para o défice do défice e a solução, mais uma vez, passa pelo $ do Zé.
Nestes termos, o 'risco' de declaração de independência fica pendente. MAS...

III

... não esquecer que tem que ser encontrada uma solução para a sua ZONA FRANCA.
Francamente!
Talvez a solução passe pela criação de "zoninhas francas" nas Berlengas, Farilhões, etc.. (Ao que parace, os Açores não fazem questão de terem a sua ZONA FRANCA).
MAS...

IV

... que fará o maior da Madeira e Porto Santo, agora que o Ministro das Finanças disse CLARAMENTE que a situação da Madeira é:
- de CRISE
- INSUSTENTÁVEL,

SIM, QUE FARÁ???

V

Será que vai declarar a (in)dependência de Lisboa, passando a (in)depender (directamente) de Bruxelas?

HOJE, 31


I

Hoje foi 'ouvisto' o que foi dito e redito ontem, anteontem, trasantontem, etc., etc..
Depois das férias acabadas, sempre e ainda com muitos 'futeboys', mais e mais será 'ouvisto'.

II

Ficou, entretanto e desde já, esclarecido:

a) Que o aumento da receita do Estado será efectuado (quase só) à custa do Zé IRS, também conhecido por Zé IVA.
b) Que a diminuição da despesa do Estado será efectuada à custa do mesmo Zé (também é conhecido por Zé Social).

III

E depois do Natal e Ano Novo, Zé? (Já não há férias. Mas os 'futeboys' continuam...).

30 de agosto de 2011

HOJE, 30, ASSIM FOI e AMANHÃ?

Falar e negar
fazer e desfazer
ir e não ir
argumentar com o nada que passou
e não cumprir.

E não disse nada, só... falou.

29 de agosto de 2011

INVENTÁRIO




Olhando para trás
ainda se vê
aquele tempo de espera
e fome de viver.

A alma está vazia
das noites de insónia...

...morre-se aos poucos
da falta daqueles que ficaram.

27 de agosto de 2011

IMPOSTO OU FACULTATIVO?

- Que extraordinário imposto parece estar para vir!
Será um efectivo imposto ou imposto(r)mente imposto?

- A tentação (veremos) será (sobre)taxar, em sede de IRS, aqueles que estiverem no limiar da sobretaxa de 10%, aplicável a partir de Janº./2012, nos termos do Memo da Troika.


---- x ----

- Por outro lado, o PR sugeriu a reposição do sucessório sobre as grandes fortunas e sobre as doações.
Definitiva ou provisoriamente, Sr. PR?

Entretanto, o CDS (não confundir com Credit Default Swap), que foi, há alguns anos, o partido autor da proposta de lei que aboliu o sucessório, veio já declarar que não entende como é que a "morte" pode estar na origem de um imposto.
(Será tentativa de fazer humor negro?)

24 de agosto de 2011

DEPOIS DO... FIM


Eram amigos desde crianças. Tinham a mesma idade com diferença de poucos meses. A relação entre eles não era fácil, apesar de, em público, ser exuberante. Completavam-se - responsabilidade e organização de um, temeridade e repentismo do outro.
Diacutiam muitas vezes, mas não conseguiam ficar zangados mais que algumas (poucas) horas. Um começava onde o outro acabava.
Assim foi, principalmente, durante a adolescência e enquanto jovens adultos. Acabaram, como era previsível, por ter rumos de vida diferentes, mas, apesar das ausências, a sensação de afastamento entre eles não se notava.

Sempre que houvesse festas, carnavais ou outras e os dois estivessem presentes, dinamizavam o convívio como se tudo tivesse sido planeado.
Apesar de não ser do conhecimento dos amigos comuns, o Joel vivia de ajudas financeiras do João, que não pagava, mas prometia sempre pagar e... com juros.
- João, hoje pagas tu. (Como se ele, Joel, alguma vez tivesse pago).
O João, por vezes, declarava-se farto, farto de tanta leviandade.
- Eh pá! Já vais quase nos quarenta e eu não sou teu pai.
- Joãozinho, eu não sou doutor. Olha, abona aí cinco contitos. No próximo mês fazemos contas. Prometo.

Quando o Joel soube que o João ia para os Estados Unidos por três ou quatro anos, ficou preocupado. Ia ficar "a descoberto" por muito tempo.
- João, vais sentir a minha falta.
Do outro lado da linha ouviu uma gargalhada e o som de desligar.

Meses e meses passaram. Houve alguns telefonemas. Espaçados. Depois um silêncio muito prolongado. O João não foi visto em Lisboa durante mais de dois anos. E... espanto! - nem para as festas de anos da Sara!

No meio do correio diário chegou uma carta do Joel, com endereço e remetente! Tudo escrito muito certinho. Estranho! - Lá vem este gajo finalmente pedir dinheiro.
Abriu o envelope. No meio de uma folha branca A4 estava manuscrito em letras maiúsculas: SAIBA V.Exª.QUE EU VOU MORRER. Sem assinatura.
- Palerma!
E atirou a folha de papel, amarrotada, para o cesto dos papéis.
Mais ou menos um mês depois recebeu um telefonema de um amigo comum informando-o que o Joel tinha falecido nessa madrugada.
Correu para o aeroporto, sem bagagem. Chegado a Lisboa, foi directo para o velório. Entrou na igreja sem cumprimentar nenhum dos presentes. Dirigiu-se para a urna, aberta, e ficou a olhar fixamente o rosto do amigo, como que hipnotizado.
Então, a outra parte do Joel, lá em cima, na Sétima Dimensão, observou a cena e rejubilou. O cadáver abriu os olhos, como que espantado fixando o João durante quatro ou cinco segundos, fechando-os de seguida. O João, como um boneco articulado, tentou dar um passo para trás e caiu desamparado. Correram a socorrê-lo. Uma senhora comentou:
- Foi um choque para ele. Eram tão amigos.

23 de agosto de 2011

CITAÇÃO XXVI




"O que deforma os homens não são tanto os grandes vícios, mas os pequenos defeitos. Pode-se conviver muito bem com a preguiça, a prodigalidade, o tabaco ou a luxúria, mas, em compensação, que pejudiciais são as negligências ou os pequenos descuidos.
Parece que a vida, à semelhança de certas sociedades, tolera os grandes crimes, mas castiga implacavelmente os erros. Um banqueiro pode muito bem roubar o fisco ou liderar um tráfico de armas, mas que Deus o livre de passar um sinal vermelho."

Julio Ramón Ribeyro
«PROSAS BÁRBARAS»
Edições Ahab -Porto

PHRASES MVRAES XII




OS EXCELENTES MOEDAS AFASTAM OS MAUS MOEDAS DA CIRCUMVALAÇÃO

(Lei de cresham)

20 de agosto de 2011

RETRATO




Instalados na vida
esperando a morte
estão um homem e a sua barriga.

Tem o estômago vivo
mas as ideias já lhe morreram
tem um carro de modelo antigo
um chefe de quem tem medo
um filho que lhe rouba o sono
uma mulher camada Maria.

Tem esperança em Deus
que há-de voltar um dia.

18 de agosto de 2011

CITAÇÃO XXV




"...
À pressão global, exercida de cima para baixo sobre os governos nacionais, há que contrapor a pressão de baixo para cima, exercida pelos cidadãos através de formas de participação amplas e eficazes que incluam o voto mas não se reduzam a ele.
..."

Boaventura de Sousa Santos
«PORTUGAL
Ensaio Contra a Autoflagelação» - página 103
ALMEDINA

PHRASES MVRAES XI

A INQUIETAÇÃO ESTIMULA A VONTADE DE CONTINUAR A VIVER

14 de agosto de 2011

SUGESTÕES AOS FMI/BCE/UE (aka TROIKA)



Porque, ao que vamos entendendo e à medida que o tempo passa, pelo menos um Partido não tinha/teve entendimento bastante de algumas das medidas que votou para serem implementadas neste país Portugal, apresenta-se, para melhor ENTENDIMENTO do "Memorando de Entendimento", as seguintes sugestões:

1 - Seja feita uma listagem das MEDIDAS incluidas no dito Memorando e, à frente de cada uma, seja identificado quem, que partido, organização ou estrutura nacional portuguesa sugeriu a sua inclusão, com referência expressa ao mês/ano em que teve lugar a inclusão dessa medida;

2 - Seja informado se alguma pessoa ou entidade atrás referida avançou com a ideia de entregar a governação do país Portugal a alguma entidade privada e, se afirmativo, quais os termos e condições principais, incluindo a "fee" de gestão que essa entidade se propunha receber pela referida governação.

12 de agosto de 2011

MELHOR SERIA AMEAÇAR MORRER




Pouco tempo depois de o casal recém-casado ter ido habitar o andar de cima, o Abreu e a mulher, que moravam no quarto esquerdo, decidiram passar a dormir no outro quarto, que fora do filho.
O quinto esquerdo estivera desabitado durante uma meia dúzia de anos, depois da morte da D. Ludovina.
Souberam da venda do andar de cima quando começaram as obras. Foi um sofrimento horrível. O barulho de berbequins, marteladas e outros durante mais de um mês e a qualquer hora. Para não falar do intenso cheiro a verniz que se instalou nas escadas e se introduziu por debaixo das portas durante quase uma semana.
No entanto, não foram essas as razões pelas quais os Abreu decidiram mudar a cama de casal para o antigo quarto do filho. Foi depois de o novo casal (recem-casado), do quinto esquerdo, se ter instalado. O casal Abreu e os restantes moradores do prédio agradeceram a Deus ter acabado a era do berbequim, do escopro e do martelo, quando viram chegar o carro de caixa fechada com o recheio a instalar na casa. Voltou, assim, o socego diurno a todo o prédio. Mas, para os Abreu, acabou o socego nocturno.
Acabada a novela televisiva, aí pelas onze horas, onze e um quarto da noite, o casal Abreu recolhia aos seus aposentos.
O marido Abreu tinha o sono muito leve. Passou a ser acordado por "ais" e queixumes a meio da noite, que continuavam em crescendo e se arrastavam por bastante tempo.
Da primeira vez acordou aflito. Olhou a mulher, que dormia. Ficou preocupado, com o coração aos pulos dentro do peito. Foi até à porta de entrada e os ais continuavam, embora menos audíveis.
- É alguém que se está a sentir mal - pensou.
Foi até à sala. Não se ouvia nada. Voltou à porta do quarto e já se ouviam, de novo. Abriu a porta da casa e foi até ao patamar da escada. Nada. Voltou ao quarto. A mulher dormia. Os ais iam agora aumentando de intensidade e subiram tanto, que percebeu, perfeitamente, que era uma mulher que se queixava e que os "ais" vinham do andar de cima. E, de repente, ouviu-se perfeitamente uma voz de mulher: - Ai que eu morro! Ai que eu morro!
A mulher do Abreu acordou assustada. Acendeu a luz e viu o homem, em pé, aos pés da cama, com o cabelo desgrenhado e em tronco nu.
- Que foi? Que é? Estás mal disposto?
Em cima o drama continuava: Ai...ai...ai que eu morro!!!
Os queixumes acabaram de repente com um ai mais grave e gutural.
Foi, portanto, esta a razão continuada e quase diária que causou a mudança dos Abreu para o antigo quarto do filho, embora a cama-de-casal ficasse muito apertada e só houvesse espaço para uma mesa de cabeceira. Ora, isto causava muito transtorno à D. Ermelinda Abreu, porque não tinha onde colocar o copo coma dentadura.
A mudança não foi imediata. Tomou seu tempo. É que, em princípio só se ouviam ameaças de morrer aí pela meia-noite, meia-noite e meia, mas, depois, as ameaças surgiam, também, pelas três, quatro horas da manhã. E as ameaças eram de tal ordem, que o marido Abreu, um dia, ensonado e furibundo, berrou para cima: - Morra depressa, que eu quero dormir!

Mas, não se pense que o sofrimento do casal Abreu acabou com a mudança de quarto. O relativo socego durou, mais ou menos, uns quatro anos. Não, não foi com o simples facto de ter nascido um bébé no andar de cima. O choro da criança, mesmo durante a noite, até lhes era agradável. Lembrava-lhes o filho ou o desejo de netos, que nunca mais vinham.
É claro que também os incomodava os sons do aparelho de televisão na sala, em cima, paredes-meias com o quarto onde dormiam. Mas eram toleráveis. Também os ruídos causados pelos brinquedos da criança, manhã cedo, no chão do quarto de cima, não os incomodava, porque a essa hora já estavam despertos.
O incómodo, agora, acontecia, sempre que o pai da criança chegava tarde a casa. A mãe ficava na sala vendo televisão pela noite dentro. A criança também não dormia e, no quarto, deitada na cama, cantarolava:
- Atirei c'o pau ao gato...
Até este momento os Abreu quase nada ouviam, mas logo a seguir:
- CALA-TE, JOÃOZINHO !!! - berrava a mãe, acentuando o agudo do "i", como nos tempos em que ameaçava morrer.
- ...não moleu, eu, eu...
- JOÃOZINHO!!!
- Miau!
- JOÃOZINHO!! ESTÁS A INCOMODAR OS VIZINHOS!
O Abreu, desesperado, sentado na cama, dizia baixinho, para não acordar a mulher:
- Porque é que esta gaja não deixa o miúdo cantar e vai morrer para o quarto dela?

11 de agosto de 2011

CITAÇÃO XXIV




"(À beira do princípio)


À beira do princípio, do precipício,
o Anjo do Conhecimento cega
para poder ver o início
da sua queda caótica.

Aquilo que o Visionário vê é o que
o vê a ele do alto do Futuro
para onde cai com o conhecimento obscuro de
saber que está no sítio para onde vai.

(O que regressa ao sítio de onde nunca saiu
é o mesmo que nunca lá esteve,
o que sobe a escada e transpõe a porta
que dá para toda a parte)."


Manuel António Pina
«POESIA, SAUDADE DA PROSA»
Assírio & Alvim

9 de agosto de 2011

CITAÇÃO XXIII




"SEM FRASES DE DESÂNIMO

Sem frases de desânimo
nem complicações de alma,
que o teu corpo agora fale,
presente e seguro do que vale.

Pedra em que a vida se alicerça,
argamassa e nervo,
pega-lhe como um senhor
e nunca como um servo."

João José Cochofel
«BREVE»
Edit. Caminho

7 de agosto de 2011

MUDAM-SE OS TEMPOS...

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança,
todo o mundo é composto de mudança
tomando sempre novas qualidades.

Cotinuamente vemos novidades
diferentes em tudo da esperança
(...)"

CAMÕES

--------

As coisas vêm mudando muito a Oriente.
E como estão mudando a Ocidente!

- Para quando a implosão da China?

5 de agosto de 2011

CIDADE GRANDE

A Cidade Grande é um arquipélago formado por ilhas de solidão.

(Pois sim, mas naquela ilha do norte - que não era de solidão - morreram quase cem, de "morte matada", sem culpas nem razão).

CITAÇÃO XXII (As decisões a tomar)

"(...)
A aceleração do momento faz-nos esquecer que as decisões urgentes dificilmente são grandes decisões. Discutimos o projecto da casa ou apenas a cor dos azulejos da cozinha? Estamos a assistir a uma destruição ou a uma construção? E discutimos com quem? Com bombeiros ou com construtores civis? Discutimos entre nós e com outros ou discutimos entre nós enquanto outros discutem sobre nós? Discutimos entre nós a cor dos azulejos enquanto outros discutem o projecto da nossa casa? E a casa será habitável?
(...)"

Boaventura de Sousa Santos
«PORTUGAL
Ensaio contra a autoflagelação»
(Prefácio)
ALMEDINA - Coimbra
Maio de 2011

3 de agosto de 2011

ECONOMIA

A eco...no...mia? Não mia?! Mia, mia... e faz miar muito!!!

(Basta estarmos um pouco atentos e ouviremos os variadíssimos "miaus" - nacionais, europeus e intercontinentais).

AMOR À PRIMEIRA... TRAVAGEM

Ele seguia sentado, ocupando um lugar do Metro, com as costas no sentido do movimento. Olhar vago, pensando em tudo e em nada.
Entrou uma jovem e sentou-se no único lugar vago, mesmo à sua frente. Fixou-a. Tentou ser discreto, mas não conseguiu. Apreciou-lhe as orelhas, os lábios, o traço do nariz, mas, principalmente, o pescoço.
O cabelo puxado para a nuca permitia ver o desenho do pescoço desde a parte posterior das orelhas, seguindo rosado, fino, firme, enxuto, alargando-se suavemente quando alcançava os ombros.
Quando desviou o olhar pareceu-lhe que ela o observou, interrogativa. Fixou-a de novo. Ela, de cabeça bem levantada, pescoço (sempre o pescoço!) nervoso e firme, olhava no sentido da janela. Pareceu-lhe que o observava pelo reflexo do vidro da janela.

Num repente o comboio travou violentamente e ela foi projectada na direcção dele, tentando amparar-se nas madeiras da janela. Ele soergueu-se e ela caiu-lhe nos braços, com as mãos contra o seu peito. Já em pé, continuou a abraça-la e a beijar-lhe suavemente o pescoço.
O comboio retomou a marcha lentamente, atingindo a velocidade habitual, mas eles continuaram em pé, abraçados, até à estação seguinte.
Sairam de mão dada.

O amor pode acontecer na primeira travagem.

1 de agosto de 2011

REVELAÇÃO

É nestes momentos
que damos conta
como a cidade é grande
como há nela espaço para loucura
de solidão e noite
de raiva e agressão
em recalcadas ternuras.

É nestes momentos
que damos conta
como a cidade é grande
negra e nocturna
diversa e densa
diversa e tensa.

29 de julho de 2011

CITAÇÃO XXI

" A CORPO INTEIRO



Um silêncio dormente
a corpo inteiro
Com este odor a Verão
desencontrado

Esta chama, estes lábios
e este cheiro
dormindo entre os braços.
Mas primeiro:

Doce bebido de um leite
coalhado"

Maria Teresa Horta
«DESTINO»
QUETZAL EDITORES

CHUVA E NOITE

No espaço citadino abunda solidão
o bicho do cio rói o sexo dos humanos
no espaço do sábado previsível.

Dói esta chuva que cai.

As luzes rompem os pingos da chuva
há metafísicas pelo espaço
a noite arranha ao dobrar de cada esquina.

Dói esta noite que cai.

A noite cai na chuva que ilumina
a sombra dos cabelos o quente do regaço
a água não é água, é sumo de uva
no calor da intimidade apetecida.

A chuva já não dói
e a noite vai.

26 de julho de 2011

RELATÓRIO DE EMBOSCADA

Noite espessa
que se agarra às carnes
pesada densa
agarrada ao chão.

A alma dissolve-se na chuva
na frialdade da noite
disseca os ruídos da mata
calando os passos do coração.

A imaginação longe longe
e a guerra estúpida tão perto.

24 de julho de 2011

FAZENDO O CAMINHO

Àquele que começa
àquele que não vê
àquele que tropeça
no tropeço de um porquê
àquele que vai sair
à procura de razão
que o ajude a prosseguir
também vou chamar Irmão.

22 de julho de 2011

CITAÇÃO XX

"O tombo da Lua

UMA OCASIÃO, quando desapareceu a Lua, eu estava lá e sei contar tudo. Não me lembro da idade que então tinha e já na altura me não lembrava. Certo é que a noite estava muito quente e repassada de azul, assim de tinta - sói dizer-se - e a Lua tinha-se quieta, redonda e branca, brilhante como lhe competia. Provavelmente, o Zé Metade cantava o fado, postado à soleira da porta, enquanto acabava o saquitel de tremoços. O Zé Metade é assim chamado desde que lhe aconteceu aquela infelicidade: quis separar o Manecas Canteiro do Mota Cavaleiro quando eles se envolveram à facada na Esquina dos Eléctricos, por causa de uma questão, segundo uns política, segundo outros de saias. Ambos usavam grandes navalhas sevilhanas e o Zé caiu-lhes mesmo a meio dos volteios. Ali ficou cortado em dois, sem conserto, busto para um lado, o resto para outro. Daí para diante ficou conhecido por Zé Metade, arrasta-se num caixotede madeira com rodinhas e deu-lhe para cantar todas as noites um fado melancólico e muito sentido: Ai a profunda desgraça/Em que me viste ó'nha mãiiii...
Pois nesta altura, com tudo assim quieto e a fazer olho para dormir, que o Andrade da Mula se chegou à janela e disse: «lá a calari...» e depois remirou em volta a ver se alguém lhe ligava, o que não aconteceu.
Após, olhou para o céu e bocejou um desses bocejos do tamanho de uma casa, escancarando muito a bocarra que era considerada uma das mais competitivas da zona oriental. E então aconteceu aquilo da Lua.
Deslocou-se um bocadinho, assim como quem se desequilibrou, entrou a descer devagar, ressaltou numa ponta de nuvem que por aí pairava feita parva, e foi enfiar-se inteirinha na boca do Andrade que só fez «gulp» e esbugalhou os olhos muito. No sítio da Lua, lá no astro, ficou um vinco esbranquiçado como dobra em papel de seda que logo se apagou e o céu tornou-se bem liso e escorreito. O Beco ficou um tudo-nada mais escuro e um gato passou a correr, pardo, da cor dos outros.
Diz o Zé Metade, no fim de uma estrofe:
- Ina cum caraças!
Vai o Andrade lá de cima e atira o maior arroto que jamais se ouviu naquele Beco.
Era o Zé Metade a berrar para dentro: «'nha mãe, venha cá, senhora, co Andrade engoliu a Lua!» e o Andrade a olhar para nós, limpando a boca com as costas da mão, um ar azamboado.
Seguiu-se o alvoroço costumeiro sempre que havia novidade. Ia um corrupio de pessoal na rua a falar alto e um ror de gente em casa do Andrade que estava sentado numa cadeira, pernas muito afastadas, pedindo muita água e queixando-se de que sentia a barriga um bocado pesada.
- Ele não teve culpa, tadinho, que ela é que se lhe veio enfiar pela boca dentro - comentava a mulher do Andrade, torcendo a ponta do avental.
- Mas se foi ele que a desafiou... - gritava a mãe do Zé dando punhadas de uma mão na palma da outra.
- Pôr-se ali na janela aos bocejos, olha a farronca! Agora vem esta a querer baralhar género humano com Manuel Germano. O meu Zé viu tudo, óviste?
Não tardou, estava o presidente da Junta, muito hirto, no seu casaco de pijama com flores:
- Isto o meu amigo o que fazia melhor era regurgitar a Lua, ou o Beco ainda fica mal visto - observou com gravidade e voz de papo.
E o Andrade, moita, ali embasbacado, com os olhos no vago.
Deram-lhe azeite para o homem vomitar, mas nada. Limitou-se a produzir uns sons equívocos e a esboçar um ar de enjoada repugnância.
- O pior é que se ela sai pelo outro lado nos parte a sanita nova - abespinhava-se a filha do Andrade, toda de mão na anca. - Que coisa mais escanifobética...
- É levarem-no para o hospital - gritava o Zé Metade da rua, ansioso por se ver acompanhado na sua desgraça de vítima do escalpelo cirúrgico.
Mas o presidente da Junta considerou: Então e depois a Lua onde é que a punham? Quem lhes garantia que ela voltava ao sítio? E se os médicos quisessem ficar com ela lá no hospital e a prantassem dentro de um frasco com álcool? Que é que aquela gente ganhava com isso? Hã? E em faltando a Lua, quais eram os inconvenientes? Hã?
- Acabam-se as marés - disse o Paulinho Marujo.
- Coisa de pouca monta - afirmou uma mulher. - As marés nunca deram de comer a ninguém. E quanto à luz, depois da electricidade...
- Então como é que o amigo se sente? - perguntava o presidente ao Andrade.
- Menos mal, muito obrigado. Vai um pedacinho melhor...
- Então ficamos antes assim - recomendou o presidente. - Vossemecê agora toma um bicarbonatozinho, um leitinho, e ala para a cama que amanhã é dia de trabalho. E vocês todos, andor, para casa, em ordem, e não se pensa mais em tal semelhante!
E assim foram fazendo, aos poucos e poucos.
No dia seguinte, a Humanidade toda estranhou muito o desaparecimnto da Lua e deu-se a grandes especulações.
Ea com orgulho que a população do Beco via passar o Andrade. Sempre gaiteiro, apenas um pouco mais gordo."

Mário de Carvalho
«Casos do Beco das Sardinheiras»
Editorial CAMINHO

20 de julho de 2011

ANTI-MIDAS

Em tudo na vida
esteve sempre de passagem
mas muito muito ficou.

Sente-se encurralado
entre ser ele e não-sei-quê.

Não quer partir
e tem medo de ficar
porque tudo em que toca se torna vulgar.

16 de julho de 2011

CHORAR POR QUEM ?

Foi quando a urna começou a descer ao fundo da sepultura, sustentada por duas cordas grossas, fortes e sujas, que lhe rompeu do peito um choro convulso, em estremeções que lhe faziam abanar o corpo todo. Por mais que tentasse abafar o choro com um lenço, não conseguia.
Tentou afastar-se apressadamente, enterrou os sapatos na terra removida e caiu, ficando sentado no mármore de uma campa próxima. Levantou-se, trôpego.
O choro continuava em arrancos violentos, as lágrimas caíam descontroladamente e começava a escorrer-lhe uma baba espessa de um canto da boca.
Sentia-se envergonhado pela cena que estava fazendo, mas não consegia controlar-se. Tentaram ajudá-lo, consolá-lo da morte do amigo. Havia quem estranhasse tanto sentimento, pois a ligação ao falecido não era tão próxima que justificasse tanto sentimento. Afastou, até, com agressividade os que tentaram ajudá-lo.
Tirou mais um lenço dos bolsos, limpou mais uma vez os olhos e nariz.
Sustido o choro, parecia-lhe ter acordado de um pesadelo. Olhou em volta e fixou os que o observavam. Apertou os botões do casaco, enquanto olhava a viúva, que se afastava, amparada por famaliares.
Encaminhou-se para a porta do cemitério, incomodado, envergonhado, um tanto confuso.
Com dificuldade, conseguiu entrar no carro. Ficou imóvel, a olhar em frente, no vazio, por algum tempo. Dos conhecidos, que iam passando, ninguém o incomodou.
Pôs o carro em marcha depois de ter tomado consciência que não tinha chorado pelo falecido. Tinha, afinal, chorado por si próprio. Perecível e transitório.

15 de julho de 2011

... DA INFÂNCIA

Vem da infância
um cheiro a tangerinas
um gosto a amoras
som de sino de igreja
o ladrar de um cão
contos de bruxas
cheiro a incenso
sons de avé-marias
cheiro a mosto
canções de entardecer
alegria de cerejas

...e o peito fica cheio
como um balão azul.

12 de julho de 2011

AS ÁRVORES NÃO CAEM

A casa manteve-se fechada durante os quatro meses que o dono esteve internado no hospital.
A bicharada, principalmente aranhas de toda a espécie, tomou a casa como sua, lenta e continuamente. Ocuparam a soleira da porta, todos os cantos e recantos: junto aos buracos das madeiras e janelas e em todos os lugares por onde passasse uma réstea de luz. Teceram as teias concêntricas em tecidura de artista ou em simples emaranhados de fios e babas. O vão da chaminé foi, especialmente disputado, milímetro a milímetro, devido à luminosidade do meio do dia.
Os pardais ocuparam ainda mais espaço entre as telhas e o tabuado já decrépito, deixando o chão da casa, de terra batida, inundado de de caganitas, mesmo por baixo dos ninhos.
Os ratos instalaram-se no canto da parede por baixo da cama, roeram o colchão de folhelho e fizeram criação na cabeceira, encostada à parede.

No exterior da casa, a erva aproveitou a ausência de vida humana para ocupar todo o quintal, incluindo o terreno entre o portão e a casa, tomou conta da horta e do pomar, abafou as couves e outras hortaliças e trepou quase à altura dos muros, já meio destruidos.

Uma ambulância chegou e parou junto ao portão. Um homem idoso foi ajudado pelos bombeiros a sair. Caminhando em passos miudos e lentos, arrastava dois sacos de pano, encaminhando-se para o portão.
- Vossemecê tem aí a chave?
O vehote encostou-se ao muro, vasculhou dentro de um dos sacos e retirou uma chave grande de ferro, do tamanho de uma mão.
- Vossemecê agora tome cuidado, não vá cair e partir a outra perna.
Amparado por um dos bombeiros, passou o portão. Triste, olhou em volta. Fixou as macieiras e o pessegueiro e pensou: "As árvores não caem, as árvores não caem..."
O bombeiro tentou abrir a porta da casa e não conseguiu. Foi à ambulância e trouxe óleo e um pé-de-cabra. A fechadura, mesmo depois de oleada, protestou, rangeu, mas a lingueta acabou por deslizar. O bombeiro, já na soleira, dirigiu-se ao velhote, que continuava amparado ao portão, a olhar o pomar:
- Ó ti Manel, vossemacê tem que mandar limpar isto
- Pois.
Suspirou. Tentou andar, arrastando os sacos. Quase caiu, mas o outro bombeiro amparou-o e agarrou um dos sacos. Olhou fixamente o pessegueiro e disse baixinho: - As árvores não caem.
- Vossemecê deixe-se estar aqui sentado, que a gente vai lá baixo à Junta para ver se mandam alguém para o ajudar. Vossemecê quer que a gente compre alguma coisa? Pão, chouriça... vinho?
- Pode ser.
Meteu a mão num bolso do casaco e tirou umas moedas, que entregou ao bombeiro.

Entrou na casa, vagarosamente, amparando-se à parede. Sentou-se num banco que estava próximo da porta.
- A gente volta já.
Ficou a olhar a casa, em volta. As lágrimas encheram-lhe os olhos. Quando os fechou e baixou a cabeça, as lágrimas escorreram pela cara e caíram no pó do chão.


Alguns dias depois, quando as duas mulheres do serviço social da Câmara Municipal chegaram à casa a meio da manhã, como habitualmente, encontraram-no inconsciente, atado ao pessegueiro com uma corda grossa mesmo por baixo dos braços, descalço e com os pés dentro de terra molhada. Ao pé estava uma enxada e um balde de zinco, tombado e com um resto de água.

Morreu dois dias depois numa maca do hospital. Deitado... caído.

10 de julho de 2011

CITAÇÃO XIX

" Juiz de instrução criminal

O "Mundo" publicou, ha dias, a contestação que Affonso Costa lançou no processo que contra França Borges moveu o delegado do segundo districto criminal.
É uma peça cheia de vigor, onde se admira a tactica juridica, a força de argumentação e a audacia do ponto de vista. A muita gente parecerá forte de mais, mas a verdade foi sempre forte, e ai d'ella se algum dia fraqueja porque a fraqueza da verdade é já a mentira.
Como facilmente se vê, aquelle trabalho não é completo. É um esboço a pinceladas largas e firmes, que será completado no dia da audiencia pela argumentação do advogado e pela eloquencia do tribuno.
Aquela contestação, seguida da reproducção do discurso que Affonso Costa ha de proferir na Boa Hora, constituirá a biographia mental do juiz de instrucção. É um capitulo de pathologia que fica traçado, é uma história clinica que se levanta e, em face da qual, nós vemos que, se para salvar o paiz é preciso todo o povo armado em insurreição, para certos casos particulares apenas se reclama o Dr. Bombarda e um colete de forças."

in: "ALMA NACIONAL"
Numero 2 - LISBOA, 17 de Fevereiro de 1910 (pág.27)
Director: António José d'Almeida

7 de julho de 2011

CITAÇÃO XVIII

" Caça aos republicanos

Tem sido furiosa a batida aos homens suspeitos de pertencerem a associações secretas.
É estupendo o que se tem passado e mais extraordinario ainda que uma cidade como Lisboa consinta os seus destinos à mercê do Juiz de instrução criminal e do agente Branco, os dois protagonistas do baixo drama que se tem representado nos aljubes da policia.
O juiz é um possesso furibundo que chega a perder a responsabilidade contorcido nas espiraes da sua allucinação. O agente Branco é uma creatura sinistra, operando a frio, exercendo com calma e com methodo a perseguição, a tortura, o embuste e o ardil.
Da combinação dos dois resulta a alliança tragica da perfidia e do mal. Só com uma diferença: o agente é esperto com a finura calculada dos criminosos e o juiz é impetuoso, com a impetuosidade cega dos desequilibrados.
Tanto peior.
O agente, que é subalterno, prepara com habilidade e proficiencia a tenaz em que a vitima ha de espernear. O juiz furioso, derrancado, com um velo de sangue a empanar-lhe os olhos, aperta o instrumento e executa a tortura.
E é com estas duas figuras que se conta para arranjar victimas que desempenhem o papel de regicidas!
...Ora, na verdade não se sabe onde a loucura é maior, se no paço, no ministério, ou no juizo de instrução criminal..."

"Opiniões e depoimentos"
In: "ALMA NACIONAL"-Numero 1 / Lisboa, 10 de Fevereiro de 1910
Director: António José d'Almeida

5 de julho de 2011

LINGUAGENS

- Como entendo que o réu vai decair na acção, os preparos e custas serão, a final, da sua responsabilidade, para além da possivel condenação no pagamento de honorários. Esses valores serão agravados no caso de haver réplica e tréplica e, mais ainda, se o processo tiver que prosseguir para audiência de discussão e julgamento, o que parece será o caso, pois a matéria é complexa para poder ser decidida no despacho saneador.

O cliente, habitual ledor do "Diário da República", perguntou:
- O Dr. importa-se de me fazer um "Resumo em linguagem clara" ou um "Summary in plain english" ?

3 de julho de 2011

CABEÇA / CORAÇÃO

Tanto para comunicar
mas tanto a impedir
que atrasa
amassa
enleia
confunde
ultrapassa
arremeda
e trapaceia
que já quase não confio

cabeça cheia
coração vazio.

1 de julho de 2011

RELATIVIDADE ?

Tem dias que parecem ter muito mais que 24 horas e outros em que anoitece logo a seguir ao nascer do sol.

30 de junho de 2011

ÚLTIMO PRAZER

Teria quase noventa anos.
Morreu, mas, antes de morrer, já há muito tinha "morrido", excepto no prazer de fumar. Não incomodava, não exigia, não pedia, não... estava. Arrastava-se lentamente pela casa, amparado aos móveis e às paredes.

Sentava-se à mesa mais para fazer prova de estar vivo do que para comer ou beber. Comia pouco, muito pouco.

O mais do tempo passava-o sentado. Deitado, não. Odiava a cama. Só à noite para tentar dormir. Tentar...

Gostava de estar à janela, encostado ao peitoril. Não pela vista da rua ou das pessoas. Era pelo prazer de fumar, apesar da bronquite asmática que lhe dificultava a respiração e causava tosse. Tossia muito.
Fumava assim, "clandestinamente", contrariando as recomendações médicas e às escondidas da família, que era, afinal, conhecedora. Tinham, também, conhecimento que a compra dos cigarros era feita pela empregada doméstica. Fumava cigarro após cigarro, apagando as "beatas" contra guardanapos de papel humedecidos, que, depois, lançava, discretamente, na sanita.

Apagou-se...
Nunca mais o viram à janela e a casa nunca mais ouviu a sua tosse.

28 de junho de 2011

ESTADO (ou CONDIÇÃO?)

- Qual o estado dos secretários?
- Estão empossados.
- Sim. E...?
- ...portanto, já são Secretários de... Estado.

26 de junho de 2011

A AGENDA

Os computadores e outros "seres" afins lançaram sobre a AGENDA (de bolso e de secretária) quase uma sentença de morte.

Embora alguns não se submetessem à sua tirania, a Agenda (livro) comandava, de forma única, a vida dos homens, marcando-lhes o compasso, martelando-lhes as cabeças, hora a hora, dia a dia, semana a semana, mês a mês. Era o livro dos livros. Era a ditadora que impunha o ritmo, o andamento de cada vida.
Ao comprá-la julgava-se passar a ser seu proprietário, mas, pelo contrário, o acto de a comprar, implicava uma submissão às notas que o próprio (ou outrem, a seu mandado) nela escreveria.
Por outro lado, era, também, desculpa para evitar impertinentes e inoportunos: "- Não sei. Tenho que ver a Agenda." Esta desculpa agora não funciona, porque a "agenda" está sempre à mão, disponível para consulta. (E é bem feito!)

Nestes tempos a "agenda" quase nunca é livro - passou a existir em "ambiente" de telefones móveis e afins, computadores, etc., mas esse "espaço" roubou o nome à Agenda tradicional, o que não se compreende. Ou é ou não é.
Mas a Agenda não morreu. Sobreviveu às "novas tecnologias", ela que nem sequer é uma "velha tecnologia"...só um conjunto de folhas encadernadas de forma mais ou menos sofisticada.

21 de junho de 2011

QUE ASSUNÇÃO !!

Concretizou-se a ASSUNÇÃO que ESTEVE na mente de ASSUNÇÃO ESTEVES em assumir o cargo de Presidente da Assembleia da República.

ASSUNÇÃO confirmada de forma (quase) arrasadora!

19 de junho de 2011

UMA ESTRADA DENTRO DE CASA?

Ao chegar a casa entrou no quarto e viu que tinham construido uma estrada que lhe passava mesmo por baixo da cama.
A estrada entrava entre os pés da cama e saía, mais ou menos a meio, do lado direito... para quem esteja deitado de costas.
Para poder sair da cama, se não tomasse os devidos cuidados, cortaria o tráfego nas duas vias. Claro que tinha possibilidade de colocar um só pé no chão e, à custa de voltas e contorcionismos, amparando-se na cabeceira, podia colocar o outro pé para além da outra berma da estrada. Mesmo assim podia afectar o normal fluir do tráfego. Concluiu que a melhor solução seria pular de cima da cama para a berma da estrada do outro lado.

Assim estava pensando, acabado de chegar de uma viagem de férias no estrangeiro, sentado numa cadeira junto à cama, ainda com a mala a seu lado.

Mas que ideia tão estúpida construirem uma estrada dentro de uma casa de habitação, invadindo propriedade privada, sem expropriação prévia e... passando por baixo da cama de um cidadão!

Abriu a janela para verificar se havia alguma ponte, viaduto, estrutura superior para acesso ao terceiro andar. Nada. A estrada tinha sido construida pelo interior da própria parede, rompendo o rodapé, atravessando o quarto e saindo por rodapé oposto, onde tinha sido aberto um túnel. Baixou-se e espreitou pelo túnel. Estava escuro. Nada se via, mas as viaturas circulavam.
- Passará para a casa do vizinho através da parede comum? - pensou. E se batesse à porta do vizinho e perguntasse? E se não há estrada na casa do vizinho? Vai pensar que estou maluco e fecha-me a porta na cara. E se telefonasse para a Câmara, perguntando quem licenciou a obra?
Nossa Senhora! Ele que tinha vendido o outro andar, herdado dos pais, por causado barulho da vizinhança e, agora, uma estrada em casa! Bem, vendo bem, fora melhor assim do que terem arrasado o prédio na sua ausência.
Colocou-se de cócoras para ver passar o tráfego, adivinhando, dentro das viaturas, as cabeças dos condutores. Estranho, muito estranho, só havia condutores, não transportavam mais ninguém. Só os condutores...

Sentia-se impotente para encontrar uma solução. Deveria haver maneira de convencer alguém, com poderes, para desviar a estrada. Se podia vir de dentro de uma parede e, depois, voltar para dentro de outra parede, podia ser corrigida, por exemplo, continuando sempre dentro das paredes. Além disso não se ouviria o ruído dos motores. Então o túvel podia ser tapado, por inútil. E inestético.
Estava assim a pensar, quando lhe ocorreu que podia telefonar para o administrador do condomínio. Devia-lhe uma explicação. Que estupidez! Era a primeira coisa que devia ter feito.
- Estará em casa a esta hora?
Puxou do telefone na cabeceira. Marcou o número.
- Bom dia, sr. Cosme. Daqui fala o vizinho do terceiro esquerdo. Suponho que estará ao corrente da construção de uma estrada que atravessa o chão do meu quarto...
(Pausa).
- Sim. Por baixo da cama e...
(Pausa com irritação).
- Quem?! O quê?! Para arranjar o telhado? Podiam ter ido pelo quarto andar. Eu autorizei?... Por escrito?... Eu vou já aí falar consigo.
Poisou o telefone, irritado, mas, em vez disso, deu um murro na mesa de cabeceira com a mão entreaberta. ACORDOU e ficou deitado de costas, a afagar a mão dorida.
Acendeu a luz e olhou o despertador - quatro horas. Virou-se de lado e observou o carreiro de formigas que continuava a surgir de debaixo da cama, deixando uma leve sombra negra em movimento, a caminho do rodapé.
Apagou a luz e ficou a meditar no sonho, a analisar os pormenores e sorriu. Passou tempo, passou e... não tendo a noção exacta de quanto tempo teria passado, pareceu-lhe que o telefone tinha tocado. Deixou de tocar. Pouco depois voltou a tocar. Quando ia atender, parou de tocar. Voltou a tocar. Atendeu.
- Estou.
Estranhamente, o telefone continuava a tocar. Passou o telefone para a mão esquerda, mas deixou-o cair em cima da cama. Agarrou-o novamente com a mão direita.
- Estou.
- Bom dia.
- Bom dia.
- Sr. António Filomeno?
- Sim, faz favor.
- Daqui é da Sociedadede de Advogados Barrando & Costa. Um momento. Vou passar ao Sr. Dr. Barrando.
- Está lá?
- Sim.
- Sr. Filomeno?
- Sim.
- Daqui é Jorge Barrando. Calculei que já tivesse regressado de férias. É para lhe dar conta das diligências que efectuámos junto do Ministério dos Transportes e Comunicações àcerca da estrada que construiram passando pela sua casa.
- Hum...?
- Sr. Filomeno, apesar de todo o empenho que colocámos neste assunto, não conseguimos obter uma solução tão rápida quanto seria desejável e a tempo do seu regresso de férias. Tenho, no entanto, a indicação de que o assunto foi já transferido para os Serviços de Urbanismo e Transportes da Câmara Municipal, que, ainda hoje, irão a sua casa fazer uma vistoria.
- Hum...?
- Peço desculpa, mas era o único dia que tinham disponível. Calculo que esteja cansado, mas não nos foi possível outra data.
- Hum...
- Esteja, portanto, atento, Sr. Filomeno e contacte-me depois ou quando entender necessário.
- Hum...
- Fico a aguardar a sua visita para apreciarmos a evolução do assunto. Bom dia.
Bom di...
Acordou assustado com a campainha-besouro da porta de casa, soando de forma contínua e irritante. Saltou da cama e, ao calçar os chinelos, esmagou dezenas de formigas. Tentava vestir roupão enquanto caminhava para a porta, tonto de sono. Tinha já formigas dentro dos chinelos que, subindo, subindo, lhe faziam cócegas nas pernas.
- Deve ser o pessoal da Câmara...
Abriu a porta e, espantado, viu o amigo Tito aos berros:
- Eu, lá em baixo, à espera, à espera...Não atendes os toques da porta da rua. Tens o telemóvel desligado e o fixo está impedido. Ainda vamos perder o avião! Dá cá a mala e os documentos, que eu vou andando. Despacha-te e chama um táxi.

17 de junho de 2011

VISÃO

Está a Cidade cheia de Moscas.
De vários tamanhos, feitios e cores.

Não se consegue ver o Horizonte.

16 de junho de 2011

PARAÍSO PERDIDO

"(...)

Foi então que ele me disse (entrecortando as palavras com o tique de soprar para dentro da mão direita fechada):

Quando eu era criança ia, em grupo, pelos campos até não aguentar mais das pernas. Então os mais velhos levavam-me às cavalitas.
Comiamos fruta roubada das árvores, bebiamos água dos ribeiros, nadávamos e só regressavamos a casa quando anoitecia.

Sabia o nome de todos os pássaros, o nome dos insectos, das árvores, dos arbustos, das ervas e das flores.

Ouvi dizer que na cidade era tudo muito bonito e se compravam coisas muito boas. Afinal fiquei entalado entre as paredes de uma rua, correndo sempre o risco de ser atropelado.
Agora sou um desgraçado, já não tenho liberdade.

(...)"

15 de junho de 2011

CITAÇÃO XVII

" 20

Habituados à cidade, ignoramos, como homens desta época, todas as formas da Natureza. Somos incapazes de reconhecer uma árvore, uma planta, uma flor. Os nossos avós, por mais pobres que fossem, tinham sempre um jardim ou uma horta, e aprendiam sem esforço os nomes da vegetação. Agora, em repartições ou hotéis, não vemos senão flores pintadas, naturezas mortas ou essas raquíticas plantas de vaso que parecem ter sido semeadas por cabeleireiros."

Julio Ramón Ribeyro
«Prosas Apátridas»
Edições Ahab/Porto

13 de junho de 2011

QUANDO O MAR ?

O rio corre
para cá
depois para lá
de novo para aqui.

Desempregado de si
sem água nem barcos
não corre não passa
como um rio.

Há gaivotas que passam
em voos diversos
sobre o rio que corre
(amarrado às margens).

Mas, quando o mar ?

11 de junho de 2011

CITAÇÃO XVI

" Contudo é mais fácil rasgar cortinas de ferro do que de incenso. O ferro enferruja e perde coesão e o incenso continua a pairar no ar, mesmo depois de queimado."


Horácio Neto Fernandes
«A construção e a desconstrução de um padre»

Papiro Editora

8 de junho de 2011

PRESENTE (apenas) INDICATIVO

Eu governo(-me)
Tu governas(-te)
Ele governa(-se)
Nós governamo(s)(-nos)
Vós governais(-vos)
Eles governam...
...as suas coisinhas...

6 de junho de 2011

4 de junho de 2011

ELEIÇÕES

Amanhã é dia de eleições para a Assembleia da República.
Vou passar o dia de hoje sentado em frente ao espelho a reflectir(-me)... que... "a coisa aqui está preta".

3 de junho de 2011

FÉRIAS

-Gosto muito desta música.
-Que "giro"! É "giríssimo". Olha, minha querida, isto faz-me lembrar as férias do ano passado. Tinha assim um anfiteatro como este aqui, mas mais velho, muito mais velho. "Velhérrimo". Estava calor, um calor de fim de tarde, que não queiras saber! Estava-se muito bem. A música baixinho... baixinho. E pessoas, muitas pessoas. "Giríssimo"! Havia umas senhoras com leques...
-E foi onde?
-Olha, querida, nem eu sei bem. Ou, quer dizer, sei, talvez saiba ou, pelo menos, o Paulo sabe. Foi ele que reservou hotel, comprou bilhetes de avião, visitas, passeios... tudo. Tu sabes como ele é organizado. Mas, como te dizia, estava quentíssimo, mas muito agradável. E, nesse fim de tarde... desse dia, ai, querida, nem te digo! Ainda fiz umas fotografias ao anfiteatro, mas, como tu sabes, eu sou uma "tótó" com tudo o que são máquinas. Não estão grande coisa.
-Mas não te lembras onde foste?
-Ai filha, que "chata"! Sei lá! Olha, toda a gente falava inglês. Até o guia. Ah! espera aí, lembro-me que era uma ilha. Mas era uma ilha grande. Devia ser grande, porque não se via o mar à volta. O hotel era à beira-mar. Tu sabes como o Paulo adora o mar. E, de tantas voltas e visitas pela ilha, nunca vi o mar do outro lado. Portanto, era uma ilha muito grande.
-E tu não te preocupaste em saber o nome da ilha?
-Que "chata"!! Que interesse tem isso? As férias foram extraordinárias e do que me lembro com mais gosto é do fim de tarde nesse anfiteatro, do calorzinho e da música.
-Do nome da ilha não?
-Que "chata" que tu estás!! Ah! e o hotel! Era extraordinário!! Se quiseres saber mais fala com o Paulo.

30 de maio de 2011

ELEIÇÕES / CAMPANHA ELEITORAL II

Vêm uns, de uma cor, e berram: VIVA PORTUGAL !
Mas outros, de outra cor, também entendem berrar: VIVA PORTUGAL !
Chegam uns terceiros, de cor diferente e: VIVA PORTUGAL !
Passam, entretanto, outros de cor diversa de todos os outros e, também, a plenos pulmões: VIVA PORTUGAL!

É fácil concluir que o PORTUGAL que eles querem é um PORTUGAL pintado da sua própria cor.

SUGESTÃO:
Berrem: - Viva Portugal Castanho! Viva Portugal Creme! Viva Portugal Roxo! Viva Portugal Lilás!

Assim,depois dos resultados das eleições, fácil será concluir de que cor vão tentar pintar Portugal (à sua imagem e semelhança).

27 de maio de 2011

CITAÇÃO XVI

" O SERTANEJO FALANDO

A fala a nível do sertanejo engana:
as palavras dele vêm, como rebuçadas
(palavras confeito, pílula), na glace
de uma entonação lisa, de adocicada.
Enquanto que sob ela, dura e endurece
o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
incapaz de não se expressar em pedra.

2

Daí porque o sertanejo fala pouco:
as palavras de pedra ulceram a boca
e no idioma pedra se fala doloroso;
o natural desse idioma fala à força.
Daí também porque ele fala devagar:
tem de pegar as palavras com cuidado,
confeitá-las na língua, rebuçá-las;
pois toma tempo todo esse trabalho."

João Cabral de Melo Neto
«A educação pela pedra»

(OBS.: Não estaria o Autor pensando também no alentejano?...)

24 de maio de 2011

NOS 70 ANOS DE BOB DYLAN...

...aquele que cantou "The times are a-changin'", donde são retiradas as seguintes passagens:

« (...)
For the loser now
will be later to win.
For the times are a-changin'

(...)

Your old road is
rapidly aging.
Please get of the new one
if you can't lend your hand.
For the times are a-changin'

(...)

And the present now
will later be past
the order is
rapidly fading
And the first one now
will later be last.
For the times are a-changin'».

---

Mais de 400 anos antes, Camões (que não consta que cantasse) tinha escrito um soneto, que começa com a seguinte quadra:

« Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o ser, muda-se a confiança
Todo o mundo é composto de mudança
Tomando sempre novas qualidades.

(...).»

---

Outro cantor/compositor, este português (José Mário Branco), nos anos setenta do séc. XX, glosando esse soneto de Camões, acrescentou-lhe e cantou (também) o seguinte:

«(...)
e se todo o mundo é composto de mudança
troquemos-lhe as voltas
qu'inda o dia é uma criança.
(...).»


Será que o DIA (agora) é, ainda, uma criança??

23 de maio de 2011

ELEIÇÕES / CAMPANHA ELEITORAL

Ora, digam-nos lá, por favor, o M.o.U entre FMI+BCE+CE e a República Portuguesa foi acordado/assinado ou não?

É que nenhum dos Partidos fala (efectivamente) sobre o seu texto. Texto que tem que ser cumprido durante os próximos três/quatro anos. Quando o texto refere números e objectivos quantificáveis em números, é claro como água pura. Já no campo dos objectivos (programáticos) não parece ter sido moldado por preocupações humanísticas próprias da sociedade ocidental e dos principios judaico-cristãos que a enformam.

Uns Partidos omitem, pura e simplesmente, referências ao texto do M.o.U., outros diabolizam-no (em abstracto).
Assim, quem o não tenha lido, não ficará devidamente informado.

21 de maio de 2011

Debito o debate... a débito da falta de crédito

Fui ver o debate e tive que regressar... de bote.
Fiquei que nem posso!
 falta de bote, para que lado deveremos nadar?

17 de maio de 2011

POEMA / PUEMA

Poesia?
Escrever um poema?
Qualquer pessoa pode escrever um poema
não necessita ter rima
não está sujeito a tema
a forma a métrica
tudo tudo pode ser poesia
sem preocupações de estética
pode até ter erros de ortografia
justificados (depois) por liberdade puética.

15 de maio de 2011

NIVEL / DESNIVEL

Junto às bombas de gasolina esperava que o meu carro fosse abastecido.

Há uma oficina de reparação de automóveis mesmo em frente, na cave do prédio, entrando pelo portão, onde o homem das bombas tem o seu apoio de retaguarda.

Chegou um carro, daqueles que os vendedores (e seus imitadores) designam por "topo de gama" e o condutor estacionou-o em cima do passeio, ao lado do portão da oficina. Saiu. Vestia fato-de-macaco azul. Dirigiu-se para o portão.

O indivíduo que estava a falar com o empregado das bombas chamou o condutor acabado de chegar:
- Então Zé, não metes o carro lá dentro?

O condutor não respondeu e entrou pelo portão.

O empregado das bombas esclareceu-o:
- O carro é dele.
- O quê??!! - e caminhou para o "topo de gama", observando, com espanto, o interior do mesmo. Depois, olhando para os presentes junto das bombas, comentou:
- Eh pá!! Não sabia que o Zé era um gajo com este nivel!!

13 de maio de 2011

JUST MOVIES

Que sorte têm os norte-americanos!

Quando os extra-terrestres ("aliens" para eles) visitam o Planeta Terra (ou seja, os E.U.A.), seja com boas ou más intenções, todos, TODOS eles falam inglês.

10 de maio de 2011

CITAÇÃO XV

" Órbita

(...)

Ah que se eu pudesse ressuscitá-los em mim, aos homens e às mulheres do meu país, como eu sei que eles são embora o neguem...
A carga de dor humana que Deus colocou às costas de cada criatura. As fomes, os sonhos podres e mortos, os cansaços.
E, não sei lá como, húmidos por dentro como miolo de pão ou torrão de açucar.
E calados. Fazendo segredo do que são e Deus sabe que são.
Não se vê nem se ouve. Lê-se-lhes nos olhos, na seriedade, na tristeza, todos os homens e mulheres do meu país crêem na fatalidade e na resignação como se crê na água e no sol, sem querer... É estranho mas é verdade...
(...)"

Raul de Carvalho
«Talvez Infância»

8 de maio de 2011

SENHORA DA SAÚDE

" Há festa na Mouraria
é o dia da Procissão
da Senhora da Saúde..."

(FOI HOJE!)

"...e até a Rosa Maria
da Rua do Capelão
parece que tem virtude.

Naquele bairro fadista
Calaram-se as guitarradas..."

(SE AINDA SE OUVEM... - às vezes... poucas.)

"...não se canta nesse dia
bem à tradição bairrista..."

(E NOS OUTROS DIAS? - nestes tempos de Mouraria habitada por africanos, indianos, chineses,paquistaneses...)

"Colchas ricas nas janelas..."

(QUASE NÃO SE VÊEM)

(...)

"...Passa a Virgem no andor
o povo ajoelha e reza
até a Rosa Maria"

(O POVO JÁ NÃO AJOELHA NEM REZA - abundam curiosos, mirones e turistas armados de máquinas de recolha de imagens)

" Como que petrificada
em fervorosa oração
é tal a sua atitude
que a Rosa já desfolhada
da Rua do Capelão
parece que tem virtude".

(PARECIA OU TERIA MESMO VIRTUDE?)

= QUE VIVA O FADO, reflectindo (também) tradições, comportamentos, conceitos e preconceitos de outros tempos! =

6 de maio de 2011

CITAÇÃO XIV

"SABER VIVER É VENDER A ALMA AO DIABO

(...)

Les portugueux
não pensam noutra coisa
senão no arame, nos carcanhóis, na estilha,
nos pintores, nas aflitas,
no tojé, na grana, no tempero,
nos marcolinos, nas fanfas, no balúrdio e
... sont toujours gueux,
mas gosto deles só porque não querem
apanhar as nozes...

Dize tu: - Já começou, porém, a racionalização do trabalho.
Direi eu: - Todavia o manguito será por muito tempo
o mais económico dos gestos!

+

Saber viver é vender a alma ao diabo,
a um diabo humanal, sem qualquer transcendência,
a um diabo que não espreita a alma, mas o furo,
a um satanazim que se dá por contente
de te levar a ti, de escarnecer de mim..."

Alexandre O'Neill
«Abandono Vigiado»

4 de maio de 2011

CITAÇÃO XIII

"Harmónium

(...)

Pois não querem lá ver que, naquele instante, a linha, a casa térrea, o vulto da ponte, os sinais dos eucaliptos, a voz do Augusto, a gritar ao macho, a do José Lúcio, a chamar os filhos, e até a Estrada de Santiago que além nascendo está no céu - lhe parecem, como as pessoas, as mesmas de carne e osso - e com tanta coisa dentro d'alma..."

Raul de Carvalho
«Talvez infância»

1 de maio de 2011

COMUNIC@ÇÃO III

Cada pessoa é um mundo
e uma ilha
mais fácil é ficar do que partir,
mas tanto é o mundo para descobrir!

A palavra é o instrumento,
o gesto o jeito de a pegar.
A postura e o balanço do corpo
tentam o equilíbrio da palavra
que é podão, martelo,
cinzel, moldura, fôrma,
ideia feita coisa, feita ser
entre o "ser" e o "querer dizer".

29 de abril de 2011

FOI

Tenho saudades da infância, da tenra idade, das recordações ténues, esfumadas do grande mundo que estava próximo - os rostos, os gatos, a casa, a rua (que era ENORME...), a igreja, a praça.
Tudo era simples, singelo, mas GRANDE. Era o TUDO, um tudo ABSOLUTO.
O resto era o LONGE, muito distante, muito confuso, mas... para ser descoberto. Pouco a pouco. Sem pressa. Havia (então) muito tempo.
Agora tudo é pequeno. Pouco o desconhecido. Ou parece.

Além disso, nesse tempo ainda não tinha morrido ninguém.
E não havia crises.

27 de abril de 2011

CITAÇÃO XII

" JOGO


Depositada no fundo há a poeira
Uma pedra de dor em cada mão

Uma águia que voa
tornando a clareira
qualquer coisa de breve e de rasgão

Desembainhada a espada
a dizer a morte
Ou o lince correndo de raspão

Fica o sossego de se jogar a sorte
A vida, não."

Maria Teresa Horta
«DESTINO»

20 de abril de 2011

ALIENADO

Trazia um segredo escrito num bilhete de autocarro
que falava no milagre da decomposição dos corpos
decifrava o grande sinal no pescoço da velha
apresentava o cão que fazia parte da família
e explicava o conceito transcendente do amarelo puro.

(Na rua um louco - com o cabelo rapado - cantava).

Como estava calor
e, mais uma vez, se falava de crise
queimou o bilhete para evitar contaminações.

FITAS

Foi há já bastante tempo, mas não no início do "sonoro". Foi muitos anos depois, mas, mesmo assim, faz muito tempo.

Daquilo que o pessoal gostava, gostava mesmo, era de "cobóiadas".
Havia,também, aqueles dramalhões, com touros e "malagueñas", que levavam as mulheres às lágrimas, mas disso a rapaziada não gostava.

À saída da escola, nas sextas-feiras à tarde, corriam para dar a espreitadela habitual às vitrinas do "CINEMA CENTRAL". Empurravam-se para poderem ver os cartazes com as fotografias dos actores, em cenas do filme, com aqueles nomes esquisitos, estrangeiros, ao lado das fotografias.

- Eu já vi este filme! Eu já vi es filme! O xerife, no fim, dá dois tiros no "bandido" e ele dá duas cambalhotas para trás e fica morto.
- Quem é o "artista"? Qual é o "artista"?

As personagens de cada fita eram sempre catalogadas e consideradas repetidas em todos os "filmes", apesar de as histórias poderem ser diferentes.
Havia sempre o "artista", o "bandido", a "gaja", o "pai da gaja", o "xerife" e, por vezes, o "ajudante do xerife".
O "xerife" era o que tinha a estrela maior ao peito e o "ajudante do xerife" o que tinha a estrela mais pequena. Estes dois quase não lhes levantavam dúvidas quando observavam os cartazes.
O "pai da gaja" era o mais velho e, além diso, exercia uma certa tutela e protecção da filha. Fácil de identificar era a "gaja", mesmo que houvesse outras mulheres, porque era mais bonita e porque as outras eram personagens femininas secundárias.
Difícil, isso sim, era muitas vezes distinguir o "bandido" do "artista", porque, nas fotografias, nem sempre o "bandido" tinha cara de bandido, assim como o "artista" nem sempre era o que tinha melhor aparência. Podia aparecer mal vestido, "négligé", cavaleiro solitário, com barba de vários dias, desiludido da vida. Só na fita se podia ver o seu profundo sentido de justiça. Ora, era aí que as fotografias enganavam. Por vezes fazia justiça pelas suas próprias mãos (ou seja, pelas suas próprias armas...).
Por outro lado, o "artista" convertia-se, muitas vezes em ajudante "de facto" do "xerife", sem delegação formal de poderes. Também podia acontecer que aceitasse que o "xerife" lhe pendurasse uma estrela no colete ou na camisa; ora isto aumentava mais a confusão na rapaziada quando viam as fografias - era o "artista" ou "ajudante do xerife"?

Havia personagens de segunda classe ou figurantes que conquistavam a simpatia. Simpatia ou gargalhadas de troça, como acontecia com o mexicano, sempre bêbado, a quem só aconteciam desgraças. Era facilmente identificado porque usava um grande bigode e um chapéu de grandes abas, cheio de flostrias.

Completada a procissão pelas montras e chegados a casa, era a grande tarefa de convencerem os pais a irem ao cinema no sábado à noite. Não podiam contar com a solidariedade das mães, que não apreciavam "cobóiadas".
Os bilhetes eram comprados no principio da tarde de Sábado e os preços eram como a seguir vai explicado:
- nas primeiras três filas pagava-se dois escudos e cinquenta centavos (assim dizendo, vinte e cinco tostões) por três lugares; cada lugar, para além desses três, custava mais cinco tostões cada um;
- para além das três primeiras filas, os lugares custavam todos cinco tostões cada um.

O porteiro não conseguia controlar as entradas com a diligência e prontidão que devia, porque a excitação da garotada era grande, porque era necessário cortar cada bilhete ao meio e, depois, entregar as metades aos adultos, acompanhando com a respectiva chapelada e esperar a gorgeta. Além disso, tinha que controlar o bando de rapazes e raparigas de "pé descalço", que forçavam a passagem entre as pessoas e as grades de ferro.

Iniciada a projecção, os gritos da garotada aumentavam cada vez mais e só diminuiam à medida que a história se ia desenvolvendo, implicando uma certa concentração para entendimento da trama.
Por vezes a fita partia-se. Acendiam-se algumas luzes e, na penumbra da sala, ouviam-se exclamações de desilusão. Eram, então, projectadas as seguintes palavras:

PEDIMOS DESCULPA PELA INTERRUPÇÃO

Passada uma eternidade, durante a qual era difícil controlar a criançada, era, de repente, retomada a projecção, sem aviso prévio e ouviam-se exclamações de alegria na sala. Voltava a festa, como se nada tivesse acontecido.

Habitualmente, o "artista", apesar de evitar meter-se em complicações na sua passagem pela "cidade", via-se envolvido nos sarilhos locais, e ter que enfrentar o "bandido" e eliminá-lo, mas sempre (sempre!) em legítima defesa. Ou em duelo provocado pelo "bandido", na rua principal (e única), que começava lá longe, em parte nenhuma, e acabava também longe, no meio dos campos do outro lado. Toda a população assistia ao duelo, escondida nos vãos das portas ou das janelas, com medo dos ricochetes.
Morto o "bandido", que dominava a cidade pelo terror, a população rompia em gritos de alegria, atirando os chapéus ao ar, correndo para o "artista", que, desdenhosamente, montava o cavalo e se afastava sem pressas, contra o sol poente, enquanto a música de fundo seguia em crescendo.

Também a rapaziada que assistia à projecção, saltava das cadeiras e corria em direcção ao "écran", atirando os bonés ao ar. Nesse momento aparecia o "THE END" e ficavam apatetados à espera de mais, com ar desiludido, a olhar os nomes do "cast" que passavam lentamente da parte superior para a parte inferior do "écran", desaparecendo para parte nenhuma.
Acordados para a realidade quando as luzes da sala se acendiam, tinham dois problemas - encontrar oa bonés e encontrar oa pais. Encontrados estes últimos, havia mais gritaria (e choro) como consequência das bofetadas paternas.