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28 de fevereiro de 2011

MEDITERRÂNEO

Poderá o Mediterrâneo tornar-se um novo mar medi-terrâneo (agora da União Europeia) e com consequências imprevisiveis?

26 de fevereiro de 2011

AMOR E SORTE

Contra o que era habitual, decidiram passar a noite em casa dela.

Apesar da hora tardia e do cansaço, ao entrarem em casa, abraçou-a com um ímpeto inesperado; beijava-a e mordia-lhe o pescoço. Ela fez um breve e pouco convincente gesto de afastamento e logo passou a retribuir.
Despiram-se com fúria e urgência, já em cima de um sofá. Ele procurou-lhe a boca, sugando, sorvendo, explorando. A língua embrulhou-se num pequeno objecto, bem sólido, estranho. Discreta e apressadamente, aproximou a mão direita, agarrou o que quer que fosse e atirou-o para cima do sofá. Procurou esquecer o objecto para que não afectasse a erecção, já presente.

O acto foi fugaz, violento, brutal. Logo que terminado, ela levantou-se e foi à casa-de-banho. Então, ele recordou-se do tal objecto pequeno e intruso, investigou no sofá e descobriu-o numa reentrância do acolchoado. Era uma corôa dentária, rosada e branca. Colocou-a debaixo de uma almofada.
Pouco depois ela regressou, envolta numa toalha e olhou-o com ar inquiridor. Ele levantou a almofada e mostrou a corôa. Ela ficou a olhá-lo, confusa.
Carregado de ironia, ele disse:
- O dentinho... O dentinho...
Tapou novamente a corôa com a almofada e rematou em tom solene:
- Que a ffff... fada madrinha te dê muito amor e sorte!

25 de fevereiro de 2011

APRESENTAÇÃO

Este blogue EX-PRESSÃO pretende ser um espaço onde se tentará libertar a "pressão interior" através de textos (pequenas histórias, pequenos comentários ou depoimentos, poemas, etc.).
Poderemos dizer que todos os blogues são (uns mais do que outros) exercícios de narcisismo. Mesmo os colectivos podem sê-lo (ou parecê-lo). Mas não é obrigatório que sejam.
Quem publica um livro, um folheto ou em blogue (ou em "literatura de cordel") é porque deseja ser lido. Entende que tem alguma coisa para dizer.
Ora, o livro em papel está, a pouco e pouco, a ser substituido pelos meios cibernéticos. Pelo menos, assim parece.
EX-PRESSÃO será, portanto, mais um meio, uma via, uma tentativa de comunicar.

(Ora, TOMA!)

23 de fevereiro de 2011

ACESSO AO MERCADO (LIVREIRO) FORA DE PORTUGAL

Queres ser traduzido/publicado no estrangeiro?

Podes começar por escrever livros nos quais as personagens tenham nomes estrangeiros, principalmente de países anglófonos, para facilitar a tradução,a compreensão (ou a apreensão?) dos livros (e das personagens) lá fora.

Por outro lado, para facilitar a entrada no mercado norte-americano, convirá que adoptes, também, um nome de autor segundo a fórmula:
First name / Middle initial / Surname.

Pois! MARKETING OBLIGE!

21 de fevereiro de 2011

CITAÇÃO VII

« PENSÃO FAMILIAR

Jardim da pensãozinha burguesa.
Gatos espapaçados ao sol.
A tiririca sitia os canteiros chatos.
O sol acaba de crestar as boninas que murcharam.
Os girassóis
amarelo!
resistem.
E as dálias, rechonchudas, plebéias, dominicais.


Um gatinho faz pipi.
Com gestos de garçom de restaurant-Palace
Encobre cuidadosamente a mijadinha.
Sai vibrando com elegância a patinha direita:
- É a única criatura fina na pensãozinha burguesa.»

++++

« IRENE NO CÉU

Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.»

Manuel Bandeira
"Libertinagem"

20 de fevereiro de 2011

CITAÇÃO VI

« Os livros são um simulacro de recordação, uma prótese para recordar, uma tentativa desesperada de tornar um pouco mais perdurável o que é irremediavelmente finito.»


Héctor Abad Faciolince
"Somos o Esquecimento que Seremos"
QUETZAL

19 de fevereiro de 2011

CITAÇÃO V

«O VENTO É NOSSO INIMIGO

Lavar as mãos com sabão... Comer pão com azeitonas... Ter a cama junto duma parede, branca, onde eu possa encostar as mãos, e sentir fresco...
Vem depois o vento, e leva-nos... E só deixa ficar a recordação.»


Raul de Carvalho
"Talvez Infância"
(Editora Ulisseia)

17 de fevereiro de 2011

DISSECÇÃO

Angústia em ti
ao nível do cerebelo
angústia em mim
ao nível do sobrolho
visão de fim-de-mundo
pandemónio.
És feiticeira
ou demónio?
Sono sono
insónia
tontura
o mundo vai desabar.

Vem depressa
preciso a tua mão
na minha cabeça.

15 de fevereiro de 2011

PROPOSTA

PROPOSTA PARA ADENDA AO ACORDO ORTOGRÁFICO

- Considerando que a linguas vivas estão em permanente evolução;
- Considerando o respeito que nos deve merecer o cidadão como sede de direitos;
- Considerando o respeito pela dignidade individual;
- Considerando os considerandos anteriores e as desconsiderações constantes do Acordo,

PROPÕE-SE:
- Seja aditado ao Acordo Ortográfico:
«A palavra "eu" passa a ser redigida com letra maiúscula ("Eu"), tal como a sua correspondente inglesa "I" (pelo menos para "inglês ver")».

13 de fevereiro de 2011

O PORCO QUE SOFRIA DE ANOREXIA

Era uma vez um porquinho que, quando os seus gémeos, sôfregos, corriam para as têtas da mãe porca, fazendo a algazarra habitual, cada um procurando a sua mamadeira, ficava mudo e quedo lá atrás, olhando. A sua sorte é que havia mais têtas que leitões. Aproximava-se lentamente, tentando, também, aconchegar-se. Mamava quase só para imitar os manos do que para saciar a fome que não sentia, em contradição com a Grande Fome de todos os porcos.
Continuava magro e pequenino.

Depois da desmama, foram todos colocados num chiqueiro, onde a mulher vinha, todos os dias, despejar variadíssimas coisas variadíssimas vezes. Então, como eram já crescidos, grunhiam, grunhiam, resfolegavam, trepando em cima uns dos outros, tentando alcançar a maior quantidade de restos de comida, vegetais, cascas - tudo!
Mas, o porquinho que sofria de anorexia ficava encostado à parede do lado oposto olhando o chão e, por vezes, o rosto da mulher, que o olhava interrogativa e preocupada, por cima do muro. Mais tarde comia um pouco dos restos espesinhados, deixados no chão, enquanto os manos, de focinho levantado, grunhiam, pedindo mais e mais.

As semanas foram passando e o porquinho continuava porquinho, magrinho, pequenino, apesar de ter crescido um pouquinho.
Um dia chegou-se a mulher ao alto do muro, acompanhada de outra mulher. Por entre os grunhidos dos manos, já grandes e anafados, que exigiam mais comida, uma mulher disse à outra:
- Não vê? Parece que está cheio de fastio. Não sei que lhe faça. Não vou matá-lo. A gente mata um porco para... vossemecê sabe. Não vou matá-lo e enterrá-lo, que me dói a alma. Vou largá-lo na serra e que morra por lá.
- Pois. Sabe-se lá se é alguma maleita e a pega aos outros... - disse a outra.
A mulher assim o fez no dia seguinte.

O porquinho que sofria de anorexia, depois de ter sido solto no campo, andou um pouco e, depois, deitou-se à sombra de uma árvore. Chegou-se um casal de porcos-de-mato, cheiraram-no, cheiraram-no e... foi adoptado. Ensinaram-no a comer raízes tenras, rebentos, folhas de arbustos e a beber a água fresca dos ribeiros.
E, assim, viveu muitos anos. Sem fastio.

11 de fevereiro de 2011

CITAÇÃO IV

(Para C.C.B.)




"SNOW PIECE


Think that snow is falling.
Think that snow is falling everywhere
all the time.
When you talk with a person, think
that snow is falling between you and
on the person.
Stop conversation when you think the
person is covered by snow."

YOKO ONO
"Grapefruit"

9 de fevereiro de 2011

RECORDANDO - As velhas tipografias

Antes destas novas tecnologias de composição e impressão de textos destinados a ser divulgados pelo público em geral, era (mais ou menos) assim:

Quando passavamos a porta de acesso à tipografia todo o cérebro ficava "inebriado" com o cheiro a tintas que inundava o ambiente. Junto de algumas máquinas o cheiro era quase insuportável.
Os barulhos metálicos e repetitivos das impressoras, todas diferentes, fosse devido ao seu tamanho ou à sua modernidade ou antiguidade, iam-se modificando, em crescendo, desde a entrada e à medida que se circulava pelo espaço da tipografia. Parecia que toda a maquinaria protestava contra a nossa presença ou que as máquinas discutiam entre si, sem cessar ou protestavam contra o excesso de trabalho.

Debruçados sobre as placas com os tipos, a miríade de letras, filetes e peças colocados ao alcance da mão, os compositores preparavam, com dedos infinitamente pretos, os textos para as "provas de granel".
Por causa do barulho ambiente os cumprimentos eram feitos sem possibilidade de troca de palavras ou com acenos de mão, à distância. Só no "gabinete" do chefe (ao canto, separado do restante por tabiques, uma porta e uma parede de vidro) se podia conversar, embora falando alto.

Verificavam-se as zinco-gravuras e as fotogravuras já feitas, faziam-se cópias para depois se discutirem ideias sobre a paginação. Escolhia-se o papel e a gramagem.
Depois de corrigido o "granel", distribuiam-se as gravuras pelo meio do texto, seguindo preocupações estéticas, fazendo-se as provas de paginação em impressão "à Gutemberg". Depois, nova ideia, nova paginação, ainda outra e outra, aproveitando o espaçamento das gravuras a preto e a cores (habitualmente só na primeira e última páginas e nas centrais, para evitar mais custos).

E, aprovada a paginação, seguia-se a espera ansiosa da saída do primeiro número - a obra!!

6 de fevereiro de 2011

NA MORTE DO CHICO

Morreu.
MORREU?!
Morreu.

Na tarde a entristecer
morreu assim, com vinte anos,
com tanta coisa por fazer.

GANDEMBEL

Sangue
fome
suor
sede sede
urina
sono sono
cansaço
fezes
medo medo medo
medo e pó.

Gandembel
um homem dissolve-se no tempo que não passa
na merda
na esperança no pó no fumo
e ficam cabeças em suspensão
a sede mata sorrisos
pedaços de corpos fecundam a terra
ávida de sangue de sangue e água
prenhe de chumbo e cinza.

Gandembel
o tempo não passa não anda
o tempo espera pelo tempo
espera espera espera
amanhã amanhã depois de amanhã
coração-detonador
estilhaçado de saudade
de raiva e de tempo parado.


Gandembel
tempo de sangue
tempo de morte
tempo de espera
tempo de sono
tempo de sede e fome
tempo sem amanhã
tempo de raiva
tempo de medo e de pó.

5 de fevereiro de 2011

NATUREZA MORTA

(Nos 50 anos da Guerra Colonial)




Em subida vertical
o cavalo-de-aço levou
um homem soltando ais
pernas, duas cabeças
braços
e não-sem-que-mais
dentro de panos de tenda.

Quando o cavalo voou
deixando dor à passagem
toda a gente viu
que, num repente, ficou
toda de sangue a paisagem.

1 de fevereiro de 2011

DAQUÉM E DO ALÉM

Acontecia durante o entardecer. Nunca quando o sol estava em força, em dia pleno.
Na primeira vez apareceu como que uma substância leitosa, flutuante, que se aproximava e afastava lentamente, adejante, com contornos indefinidos. Fluia e refluia serenamente. Por cima dessa substância, bem por cima, parecia estar outra mais escura, ovalada, que tanto era notória como logo a seguir não era nada. Só uma ilusão. Essa forma, situada mais acima, oscilava como fumo batido por uma leve aragem. Para cima e para trás. Lentamente, lentamente e logo deixava de se ver.

Isto aconteceu umas quatro ou cinco vezes, num curto período.
Era tudo de tal modo ténue e impreciso que, quando era menos aparente e, finalmente, os olhos nada retinham, o Nuno ficava preocupado com a sua sanidade mental e com sérias dúvidas sobre se tinha visto alguma coisa ou só imaginado. Medo, medo, pensando bem, não tinha tido. Aconteceu, até, que, aí pela terceira vez, estendeu a mão tentando tocar-lhe e, imediatamente, tudo se extinguiu.

Só muito tempo depois lhe reapareceu no mesmo tom leitoso, suave, esfumado, mas, agora, mais azulado na parte superior. Tomava, também, um tom acastanhado, terroso, mais abaixo, próximo do soalho. Flutuava como anteriormente e, pela primeira vez, notou que não ocultava as formas dos objectos que estavam por detrás. Surgiu uma saliência comprida, talvez um braço, azul-acastanhada, mas não se vislumbrava a mão. Havia na extremidade dessa saliência uma forma cilindrica, mais notória que tudo o resto.
Ao mesmo tempo que esse "braço" começou a subir lentamente para posição horizontal e na sua direcção, o Nuno notou que pareciam tomar forma o tronco e a cabeça - uma forma ovalada - francamente azul, mas não se notavam olhos, nariz ou boca. O braço continuava a subir lentamente, lentamente na sua direcção.
A pouco e pouco, o Nuno passou a ver sombras mais escuras na zona dos olhos e da boca, que ia aumentando de tamanho, como se estivesse a tentar falar. O braço parou na posição horizontal, apontado a ele e tão próximo, que já conseguia identificar a mão, castanha, que segurava im objecto cilindrico, de cor mais clara. A boca, francamente aberta, assim como quem quer berrar, transmitia uma ansiedade imensa. Finalmente sentiu medo, quase terror e recuou dando um salto. Imediatamente tudo desapareceu.
- Estou a ficar maluco? Ando a dormir mal...

Passaram cerca de seis meses e nada mais aconteceu.
Numa manhã, ainda o sol não nascera, estava a fazer a barba, quando apareceu, no vão da porta da casa-de-banho primeiro a forma ovalada e azul da cabeça, depois os braços e o tronco castanho claro, flutuando no ar, sem pernas, fluindo e refluindo, aproximando-se e afastando-se. Nuno parou de se barbear e ficou a observar a figura, próxima, entre medo e espanto. O braço direito da figura começou a erguer-se na sua direcção, segurando qualquer coisa na mão. A forma da cabeça aproximava-se de si e a boca, totalmente aberta, parecia gritar ou querer gritar.
Procurou manter-se imóvel, apesar de ter todos os músculos tensos e os cabelos em pé.
O braço subia, subia na direcção do seu peito. A boca, escancarada e ansiosa, estava já muito próxima, mas sem emitir qualquer som. A mão, estendida, segurava uma folha de papel, acastanhada e desfeita, mais nítida somente na parte superior, onde estava escrito, em letras maiúsculas, enormes: TESTAMENTO.
Sem conseguir controlar a voz, gritou, entre pânico e espanto:
- NÃÃÃO!!!
O ser leitoso e azul-acastanhado desapareceu imediatamente, sem deixar qualquer indício.
Nuno recuou atabalhoadamente enquanto gritava e caiu para trás como se fosse um boneco articulado, ficando sentado na sanita. Apalermado, olhava o vazio.
Depois de recomposto e ainda sentado na sanita, questionou-se:
- Serei testamenteiro?