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24 de agosto de 2011

DEPOIS DO... FIM


Eram amigos desde crianças. Tinham a mesma idade com diferença de poucos meses. A relação entre eles não era fácil, apesar de, em público, ser exuberante. Completavam-se - responsabilidade e organização de um, temeridade e repentismo do outro.
Diacutiam muitas vezes, mas não conseguiam ficar zangados mais que algumas (poucas) horas. Um começava onde o outro acabava.
Assim foi, principalmente, durante a adolescência e enquanto jovens adultos. Acabaram, como era previsível, por ter rumos de vida diferentes, mas, apesar das ausências, a sensação de afastamento entre eles não se notava.

Sempre que houvesse festas, carnavais ou outras e os dois estivessem presentes, dinamizavam o convívio como se tudo tivesse sido planeado.
Apesar de não ser do conhecimento dos amigos comuns, o Joel vivia de ajudas financeiras do João, que não pagava, mas prometia sempre pagar e... com juros.
- João, hoje pagas tu. (Como se ele, Joel, alguma vez tivesse pago).
O João, por vezes, declarava-se farto, farto de tanta leviandade.
- Eh pá! Já vais quase nos quarenta e eu não sou teu pai.
- Joãozinho, eu não sou doutor. Olha, abona aí cinco contitos. No próximo mês fazemos contas. Prometo.

Quando o Joel soube que o João ia para os Estados Unidos por três ou quatro anos, ficou preocupado. Ia ficar "a descoberto" por muito tempo.
- João, vais sentir a minha falta.
Do outro lado da linha ouviu uma gargalhada e o som de desligar.

Meses e meses passaram. Houve alguns telefonemas. Espaçados. Depois um silêncio muito prolongado. O João não foi visto em Lisboa durante mais de dois anos. E... espanto! - nem para as festas de anos da Sara!

No meio do correio diário chegou uma carta do Joel, com endereço e remetente! Tudo escrito muito certinho. Estranho! - Lá vem este gajo finalmente pedir dinheiro.
Abriu o envelope. No meio de uma folha branca A4 estava manuscrito em letras maiúsculas: SAIBA V.Exª.QUE EU VOU MORRER. Sem assinatura.
- Palerma!
E atirou a folha de papel, amarrotada, para o cesto dos papéis.
Mais ou menos um mês depois recebeu um telefonema de um amigo comum informando-o que o Joel tinha falecido nessa madrugada.
Correu para o aeroporto, sem bagagem. Chegado a Lisboa, foi directo para o velório. Entrou na igreja sem cumprimentar nenhum dos presentes. Dirigiu-se para a urna, aberta, e ficou a olhar fixamente o rosto do amigo, como que hipnotizado.
Então, a outra parte do Joel, lá em cima, na Sétima Dimensão, observou a cena e rejubilou. O cadáver abriu os olhos, como que espantado fixando o João durante quatro ou cinco segundos, fechando-os de seguida. O João, como um boneco articulado, tentou dar um passo para trás e caiu desamparado. Correram a socorrê-lo. Uma senhora comentou:
- Foi um choque para ele. Eram tão amigos.

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