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30 de junho de 2011

ÚLTIMO PRAZER

Teria quase noventa anos.
Morreu, mas, antes de morrer, já há muito tinha "morrido", excepto no prazer de fumar. Não incomodava, não exigia, não pedia, não... estava. Arrastava-se lentamente pela casa, amparado aos móveis e às paredes.

Sentava-se à mesa mais para fazer prova de estar vivo do que para comer ou beber. Comia pouco, muito pouco.

O mais do tempo passava-o sentado. Deitado, não. Odiava a cama. Só à noite para tentar dormir. Tentar...

Gostava de estar à janela, encostado ao peitoril. Não pela vista da rua ou das pessoas. Era pelo prazer de fumar, apesar da bronquite asmática que lhe dificultava a respiração e causava tosse. Tossia muito.
Fumava assim, "clandestinamente", contrariando as recomendações médicas e às escondidas da família, que era, afinal, conhecedora. Tinham, também, conhecimento que a compra dos cigarros era feita pela empregada doméstica. Fumava cigarro após cigarro, apagando as "beatas" contra guardanapos de papel humedecidos, que, depois, lançava, discretamente, na sanita.

Apagou-se...
Nunca mais o viram à janela e a casa nunca mais ouviu a sua tosse.

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