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22 de janeiro de 2011

A ALMA PENADA

A alma penada cumpre penas (apenas) por causa dos actos que um ser físico, material, palpável, praticou em vida. Ora, isso não parece correcto, pois que a pena sofrida por esse ser físico (homem, mulher...) foi somente regressar à natureza de onde viera, habitualmente através do contacto continuado com um subsolo de dois a três metros de profundidade.

Assim, a alma penada, sem culpas próprias, divaga sem rumo nem sentido, sem dia, sem noite (ou é sempre noite!), numa vida (?) sem vida - anos, séculos, milénios - sem noção de tempo e sem noção de espaço. Cansada, cansada de si, cansada de tudo, cansada do mundo (dos mundos?), cansada das penas.
Tem forma (?) e rosto quase humanos, com contornos imprecisos, desmaiados, com laivos de cinzento, leitosos.

Quando, num acaso, por razões que não entende, se cruza com um ser físico vivente (homem, cão, gato e, até, outros animais), assalta-a um desejo imenso de comunicar com ele por gestos ou palavras. Palavras que não consegue emitir em sons normais , como desejaria. São sempre roncos ou grunhidos. Os seres físicos fogem, assustadíssimos, soltando berros de terror e horror. Então, a alma penada, além da frustração que sente, é como que impulsionada por energias fortíssimas, que vêm não sabe de onde, entra num movimento rapidíssimo de rotação e de translação em volta do Nada e regressa, novamente, ao Longe, ao principo de Tudo.

O cansaço que vem acumulando multiplica-se por Infinito, pois, como é sabido, a alma penada nunca se sustem, encosta, senta ou deita. Paira sempre, flutua lentamente, em estado etéreo, impreciso, sem destino nem fim. Curvada ao peso dos tempos e das penas. Eternamente.
É-lhe impossível comunicar, procurar o calor de um ser vivo ou mesmo o frio de outra alma penada. Cumpre penas de solidão e errância. Cumpre essas penas, mas não cumprirá, talvez, só essas penas. É matéria não tratada entre nós, que não tem causado o devido interesse e que conviria ser investigada em teses de doutoramento sobre a temática "post-mortem".

Não há relatos sobre avistamento de almas penadas durante o dia (dos seres viventes, claro). Antigamente, antes da existência de iluminação eléctrica, da existência da televisão, da vida nocturna, eram vulgares os relatos sobre o avistamento de almas penadas (por vezes com luminosidade própria, embora difusa) sobre o momento de passagem de um dia para o outro dia, ou seja, sobre a meia-noite. De uma penada, a alma penada surgia na visão alumbrada e conturbada do vidente e, de outra penada, deixava de ser visível. Estes avistamentos causaram, também, fortes turbações sociais e eram relatadas, contadas e recontadas nas povoações em redor, tendo chegado até aos nossos tempos.

Podemos pensar que as almas penadas não gostarão de se aproximar do bulício social nocturno ou do excesso de luminosidade, mas, mesmo nas pequenas aldeias e nos campos, há muito tempo não são referidos avistamentos.
Assim, podemos concluir que:
a) Ou melhorou muito o comportamento dos humanos durante o percurso das suas vidas, votando, assim, as suas almas ao descanso eterno.
b) Ou a alma penada é, também, uma espécie em vias de extinção.

Tanto uma hipótese como a outra deveriam ser ponderadas para efeitos de investigação.

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