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15 de janeiro de 2011

APARECIDA

À noite eu adorava frequentar a zona das chegadas nos aeroportos das cidades onde vivi. Tomava uma atitude expectante - de pé, braços cruzados e, por vezes, roendo as unhas. Ou sentado, palmas das mãos juntas e apertadas entre os joelhos, olhar fixo nas portas de saída dos passageiros, por vezes desviado para olhar o "placard" das chegadas. Ou passeando de um lado para outro, de mãos nos bolsos. Esperando a chegada de... ninguém.

Observava, também, as pessoas que esperavam, os seus tiques, o nervosismo, a ansiedade. Por vezes tristeza, olheiras fundas, barba por fazer, cabelo pouco cuidado. Alguém que era esperado talvez para um funeral. Os que chegavam vinham sós, aos casais, em grupos, com amigos, familiares ou em numerosos grupos de afinidade desportiva. Havia os que chegavam furtivos, que corriam apressados, zuiguezagueando entre pessoas e malas, a caminho das portas da rua, das praças de táxi. Outros iam saindo assim como em camadas, mais ou menos em concordância com os países de origem, tendo em conta os horários das chegadas.

Havia quem chegasse caminhando como se pisasse uma "passerelle", julgando-se observada e admirada na sua beleza, elegância, exuberânca ou excentricidade, provinda de outros mundos ou de outra galáxia.
Havia tímidos e introvertidos, medrosos. E aqueles que exibiam uma profusão de bagagem completamente desorganizada, que ameaçava desfazer-se a qualquer momento.
Havia beijos fugidios que escondiam e adiavam paixões contidas, que, algum tempo, mais tarde, explodiriam na intimidade ansiada. Outras vezes havia beijos que rebentavam em sofreguidão de corpos amachucados um contra o outro, porque... não havia ali mais ninguém - sucção de lábios, faces e pescoços, assim como quem quem quer sugar o outro para as suas entranhas.
Choros também. Transbordando em lágrimas de alegria ou de dor, afogando as ausências.
Vinham, por vezes, grupos de orientais, muito ordeiros, disciplinados, curiosos de tudo, olhando continuamente em redor. Contidos, ciciado aos ouvidos uns dos outros, olhando as decorações, os tectos, as lojas - as excentricidades ocidentais...
Também grupos de negros, que explodiam em abraços e palmadas de mão na mão, berrando frases em línguas africanas de sons abertos, enquanto tentavam equilibrar crianças, malões e grandes sacos em cima dos carros de bagagem.
Crianças, muitas criaças. Umas adormecidas, outras em correrias, gritos e gargalhadas. Outras contidas, chorosas, tristes, estranhas frente às faces que as beijavam sofregamente - faces que nunca tinham visto.

Tudo eu via numa colheita de vida e diversidade. E fazendo de conta que esperava, esperava, esperava a chegada de... ninguém.

Passavam rios de gente. Passavam, por vezes, rostos familiares. Talvez do tempo da adolescência ou dos vinte anos em... qualquer lugar. Rostos agora mais vincados pelo tempo e pelas vicissitudes da vida. Os nossos olhares cruzavam-se, interrogativos e nada mais.
Passavam, também, figuras públicas, actores, políticos, que, habitualmente, olhavam por cima das cabeças dos outros, evitando olhares e procurando o motorista.
Se surgia, ainda longe, um rosto dos meus conhecimentos, evitava o encontro, escondia-me atrás dos óculos escuros e aproveitava para me afastar e procurar outro palco próximo - outro teatro da vida que, afinal, repetia mais ou menos as mesmas cenas, embora com outros actores.

E continuava a esperar... ninguém.

Voltava para casa com os olhos e ouvidos cheios dos sentimentos, cenas, expressões faciais, palavras, gritos. Só tarde conseguia adormecer. Depois sonhava com tudo aquilo, que ia desfilando, fazendo misturas das situações observadas, assim como quem monta e remonta um filme.

A área das partidas nunca me seduziu. Talvez porque tudo é muito monótono, com filas imensas e, por vezes, protestos e discussões.

Comecei a pensar que as visitas aos aeroportos, na área das chegadas, devia ter uma explicação qualquer. Cheguei a pensar consultar um psiquiatra.

Foi numa dessas visitas (a última) que uma mulher, ainda jovem, correu para mim, tomou-me pelas mãos e, olhando-me nos olhos, exclamou:
- Oh meu querido!
Agarrou a minha cabeça com ambas as mãos e beijou-me ternamente na boca. Depois agarrou com a mão esquerda o meu braço direito e perguntou:
- Vamos?
Estranhei não trazer qualquer peça de bagagem. (- É puta, pensei). Mas aquela cara não me era estranha. Então, ela disse:
- Desculpa. Não me lembro do teu nome.
(- É puta - conclui). E perguntei:
- De onde veio você?
- De lado nenhum. Estava à tua espera.

Fomos para minha casa. Passei a chamar-lhe Aparecida.
Foi há mais de dois anos e ainda está cá em casa.

Nunca mais frequentei as chegadas dos aeroportos.
Estou a pensar, muito seriamente, passar à zona das partidas.

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