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29 de abril de 2011

FOI

Tenho saudades da infância, da tenra idade, das recordações ténues, esfumadas do grande mundo que estava próximo - os rostos, os gatos, a casa, a rua (que era ENORME...), a igreja, a praça.
Tudo era simples, singelo, mas GRANDE. Era o TUDO, um tudo ABSOLUTO.
O resto era o LONGE, muito distante, muito confuso, mas... para ser descoberto. Pouco a pouco. Sem pressa. Havia (então) muito tempo.
Agora tudo é pequeno. Pouco o desconhecido. Ou parece.

Além disso, nesse tempo ainda não tinha morrido ninguém.
E não havia crises.

27 de abril de 2011

CITAÇÃO XII

" JOGO


Depositada no fundo há a poeira
Uma pedra de dor em cada mão

Uma águia que voa
tornando a clareira
qualquer coisa de breve e de rasgão

Desembainhada a espada
a dizer a morte
Ou o lince correndo de raspão

Fica o sossego de se jogar a sorte
A vida, não."

Maria Teresa Horta
«DESTINO»

20 de abril de 2011

ALIENADO

Trazia um segredo escrito num bilhete de autocarro
que falava no milagre da decomposição dos corpos
decifrava o grande sinal no pescoço da velha
apresentava o cão que fazia parte da família
e explicava o conceito transcendente do amarelo puro.

(Na rua um louco - com o cabelo rapado - cantava).

Como estava calor
e, mais uma vez, se falava de crise
queimou o bilhete para evitar contaminações.

FITAS

Foi há já bastante tempo, mas não no início do "sonoro". Foi muitos anos depois, mas, mesmo assim, faz muito tempo.

Daquilo que o pessoal gostava, gostava mesmo, era de "cobóiadas".
Havia,também, aqueles dramalhões, com touros e "malagueñas", que levavam as mulheres às lágrimas, mas disso a rapaziada não gostava.

À saída da escola, nas sextas-feiras à tarde, corriam para dar a espreitadela habitual às vitrinas do "CINEMA CENTRAL". Empurravam-se para poderem ver os cartazes com as fotografias dos actores, em cenas do filme, com aqueles nomes esquisitos, estrangeiros, ao lado das fotografias.

- Eu já vi este filme! Eu já vi es filme! O xerife, no fim, dá dois tiros no "bandido" e ele dá duas cambalhotas para trás e fica morto.
- Quem é o "artista"? Qual é o "artista"?

As personagens de cada fita eram sempre catalogadas e consideradas repetidas em todos os "filmes", apesar de as histórias poderem ser diferentes.
Havia sempre o "artista", o "bandido", a "gaja", o "pai da gaja", o "xerife" e, por vezes, o "ajudante do xerife".
O "xerife" era o que tinha a estrela maior ao peito e o "ajudante do xerife" o que tinha a estrela mais pequena. Estes dois quase não lhes levantavam dúvidas quando observavam os cartazes.
O "pai da gaja" era o mais velho e, além diso, exercia uma certa tutela e protecção da filha. Fácil de identificar era a "gaja", mesmo que houvesse outras mulheres, porque era mais bonita e porque as outras eram personagens femininas secundárias.
Difícil, isso sim, era muitas vezes distinguir o "bandido" do "artista", porque, nas fotografias, nem sempre o "bandido" tinha cara de bandido, assim como o "artista" nem sempre era o que tinha melhor aparência. Podia aparecer mal vestido, "négligé", cavaleiro solitário, com barba de vários dias, desiludido da vida. Só na fita se podia ver o seu profundo sentido de justiça. Ora, era aí que as fotografias enganavam. Por vezes fazia justiça pelas suas próprias mãos (ou seja, pelas suas próprias armas...).
Por outro lado, o "artista" convertia-se, muitas vezes em ajudante "de facto" do "xerife", sem delegação formal de poderes. Também podia acontecer que aceitasse que o "xerife" lhe pendurasse uma estrela no colete ou na camisa; ora isto aumentava mais a confusão na rapaziada quando viam as fografias - era o "artista" ou "ajudante do xerife"?

Havia personagens de segunda classe ou figurantes que conquistavam a simpatia. Simpatia ou gargalhadas de troça, como acontecia com o mexicano, sempre bêbado, a quem só aconteciam desgraças. Era facilmente identificado porque usava um grande bigode e um chapéu de grandes abas, cheio de flostrias.

Completada a procissão pelas montras e chegados a casa, era a grande tarefa de convencerem os pais a irem ao cinema no sábado à noite. Não podiam contar com a solidariedade das mães, que não apreciavam "cobóiadas".
Os bilhetes eram comprados no principio da tarde de Sábado e os preços eram como a seguir vai explicado:
- nas primeiras três filas pagava-se dois escudos e cinquenta centavos (assim dizendo, vinte e cinco tostões) por três lugares; cada lugar, para além desses três, custava mais cinco tostões cada um;
- para além das três primeiras filas, os lugares custavam todos cinco tostões cada um.

O porteiro não conseguia controlar as entradas com a diligência e prontidão que devia, porque a excitação da garotada era grande, porque era necessário cortar cada bilhete ao meio e, depois, entregar as metades aos adultos, acompanhando com a respectiva chapelada e esperar a gorgeta. Além disso, tinha que controlar o bando de rapazes e raparigas de "pé descalço", que forçavam a passagem entre as pessoas e as grades de ferro.

Iniciada a projecção, os gritos da garotada aumentavam cada vez mais e só diminuiam à medida que a história se ia desenvolvendo, implicando uma certa concentração para entendimento da trama.
Por vezes a fita partia-se. Acendiam-se algumas luzes e, na penumbra da sala, ouviam-se exclamações de desilusão. Eram, então, projectadas as seguintes palavras:

PEDIMOS DESCULPA PELA INTERRUPÇÃO

Passada uma eternidade, durante a qual era difícil controlar a criançada, era, de repente, retomada a projecção, sem aviso prévio e ouviam-se exclamações de alegria na sala. Voltava a festa, como se nada tivesse acontecido.

Habitualmente, o "artista", apesar de evitar meter-se em complicações na sua passagem pela "cidade", via-se envolvido nos sarilhos locais, e ter que enfrentar o "bandido" e eliminá-lo, mas sempre (sempre!) em legítima defesa. Ou em duelo provocado pelo "bandido", na rua principal (e única), que começava lá longe, em parte nenhuma, e acabava também longe, no meio dos campos do outro lado. Toda a população assistia ao duelo, escondida nos vãos das portas ou das janelas, com medo dos ricochetes.
Morto o "bandido", que dominava a cidade pelo terror, a população rompia em gritos de alegria, atirando os chapéus ao ar, correndo para o "artista", que, desdenhosamente, montava o cavalo e se afastava sem pressas, contra o sol poente, enquanto a música de fundo seguia em crescendo.

Também a rapaziada que assistia à projecção, saltava das cadeiras e corria em direcção ao "écran", atirando os bonés ao ar. Nesse momento aparecia o "THE END" e ficavam apatetados à espera de mais, com ar desiludido, a olhar os nomes do "cast" que passavam lentamente da parte superior para a parte inferior do "écran", desaparecendo para parte nenhuma.
Acordados para a realidade quando as luzes da sala se acendiam, tinham dois problemas - encontrar oa bonés e encontrar oa pais. Encontrados estes últimos, havia mais gritaria (e choro) como consequência das bofetadas paternas.

15 de abril de 2011

AVISO / AVIS / WARNING / WARNUNG

Titi FÉFÉ

Não emprestes dinheiro ao primo Portugalito, porque ele não quer trabalhar e gasta tudo em carros, putas e viagens às Caraíbas.

12 de abril de 2011

O SENHOR E O SEU CÃO

Era uma vez um senhor que tinha um cão.

E o cão ("um cão") também tinha um senhor ("o senhor").

Assim, se o cão faltar ao senhor, fica o senhor sem cão.
E se o senhor faltar ao cão, fica o cão sem senhor.
É óbvio!

E MAIS:
Se o cão faltar ao senhor, deixa o senhor de ter um pretexto para sair de casa à noite (com o cão...), mas o senhor continuará com a possilidade de fazer o seu chi-chi na sanita, em casa.
Mas se o senhor faltar ao cão, fica o cão em casa, por falta de senhor com pretexto para sair de casa levando o cão a fazer chi-chi e este, porque não sabe usar a sanita lá de casa, passa a fazer chi-chi em qualquer canto da casa. MAU!

- Então? Matamos o cão?
- Não, senhor!!
- Não. O senhor?
- Não. Cruzes, canhoto!

CONCLUSÃO:
Salvou-se o cão. Mas não se salvaram os cantos da casa.

EXPLICAÇÃO:
O senhor também já estava a salvo: PASSOU A SAIR À NOITE...
Sem cão,claro. (Obscuro...).

10 de abril de 2011

CITAÇÃO XI

« TUNAFISH SANDWICH


Imagine one thousand suns in the
sky at the same time.
Let them shine for one hour.
Then, let them gradually melt
into the sky.
Make one tunafish sandwich and eat.»

Yoko Ono
"Grapefruit"

7 de abril de 2011

(D)ESFORÇO

- Quero lá saber! Ninguém me pode por na rua.

Mas a ansiedade ia aumentando à medida que um, outro, mais dois, outro ainda, depois cinco de uma só vez, iam saindo da empresa porque não suportavam mais o desprezo, a sensação de inutilidade a que iam sendo votados por não lhes ser distribuido trabalho.
Tudo era,ainda, agravado pelas sucessivas convocatórias para entrevistas, durante as quais lhes eram feitas propostas para revogação do contrato de trabalho.
Seguiam-se as situações de depressão e, depois, baixas médicas.
Muitos, depois de recebida a alta, aceitavam a revogação do contrato de trabalho, com recebimento de indemnização.

Apesar disso, o Zé Loureiro ia repetindo:
- Ninguém me pode obrigar a sair. Não sou nenhum velhadas.
Assim foi durante bastante tempo. Depois passou a irritar-se sem razão. Até com a mulher. Todos os dias conflituava com os empregados da secretaria do sindicato, porque não conseguia chegar à fala com a Direcção. De uma das vezes partiu o vidro do balcão de atendimento.
Finalmente, conseguiu falar com o Secretário. Argumentou, gritou, exigiu. O Secretário ia tomando notas num bloco de papel. Já tinham saído três mestres, além de doze ajudantes.
- Ninguém é obrigado a rescindir - dizia o Secretário repetidas vezes - E ainda não entrou nada para despedimento colectivo.
- Pois. Mas o sindicato não está a fazer nada.
- Só sai quem quer. Por cada dois ou três que saem, entra um mais novo.
- E a malta com cinquenta anos é velha?

Uma semana depois comunicou a um colega:
- "Desarrisquei-me" do sindicato. Não fazem nada!

Passou mais um mês. A mulher conseguiu convencê-lo a ir ao "médico da Caixa". Passou a tomar calmantes. E assim se passou mais ou menos um mês.

Um dia saiu de casa ainda não tinha nascido o sol. Passou o dia fora. Andou pelas ruas e jardins falando com os seus fantasmas, esbracejando. Ao anoitecer deu consigo sentado num banco de jardim. Cansado, procurou o caminho de casa. Jantou uma sopa. Deitou-se. Quase não dormiu.

No dia seguinte, mais calmo, foi ao Serviço do Pessoal da empresa para saber «quanto tinha direito a receber».
Pediu alta médica. Foi, novamente, à empresa e, quando chegou a casa, disse à mulher:
- Rescindi o contrato e já recebi. O dinheiro já está no banco. Puta que os pariu! Vou descançar uns dias e, depois, vou começar a ver os anúncios nos lornais. Com a experiência que tenho, não vai ser difícil arranjar trabalho.

Passados cerca de dois meses, ainda não tinha trabalho.
- Mas eu estou velho? Ó mulher, tu achas que eu estou velho?

Entrou em depressão. Cada vez mais profunda. Não saía de casa. Depois passou a sair só à noite. Quando regressava, a mulher andava à volta dele para perceber se tinha bebido.
- Ó homem, vê se continuas a procurar nos anúncios. O dinheiro pode acabar.

Os vizinhos começaram a fazer apreciações pouco favoráveis quando o viam sair de noite, cosido com as sombras.

Saiu cedo. Cheio de força, embora nada comunicativo. Voltou à hora de almoço com um saco de plástico de supermercado, cheio de compras. Dele retirou uns calções brancos de desporto, uma camisola branca, sapatos de ténis brancos e vermelhos e um fato de treino - calças vermelhas e casaco branco e vermelho.

Almoçou pouco e à pressa.

Vestiu-se com os artigos de desporto que comprara, sem nada dizer.
A mulher postou-se-lhe à frente, interrogativa.
- Não presto para nada? Vais ver!
- Tem juízo, homem! Já viste os anúncios hoje?
Não respondeu.
Começou a fazer flexões de pernas, movimentos de braços - exercícios de aquecimento.
A mulher, espantada com aquela atitude, observava-o.
Fez pequenas corridas entre a cozinha e a sala-de-jantar. Abriu a porta da rua e saiu a correr.
A correr, foi desde casa até à fábrica. Aí continuou a correr, dando voltas ao edifício das oficinas. Alguém o reconheceu e a notícia foi passando de boca em boca. Grupos dispersos vinham espreitá-lo de cada vez que passava em frente ao portão da entrada ou das traseiras.
Cada volta que dava e sempre a correr, era cada vez mais lenta. O cansaço era cada vez maior, mas não parava. Já seguia a passo, cambaleante. Tentou retomar a corrida, mas caiu. Levantou-se e tentou continuar a passo, mas ziguezagueava e caiu, de novo. Tentou levantar-se, mas voltou a cair. Conseguiu arrastar-se, de joelhos ou quase rastejando até à entrada das oficinas. Ao tentar por-se de pé, agarrado às grades do portão, caiu de joelhos e, a seguir, caiu de borco. Estava insconsciente.

Chamaram uma ambulância, que o transportou ao hospital.

O funeral foi no dia seguinte, à tarde.

5 de abril de 2011

CONSTATAÇÃO

Há momentos
como partos violentos
de alma a parir alma
iguais a um grito
preso na garganta
com vómito de sangue
iguais ao estouro da granada
ao beijar o chão.

3 de abril de 2011

RESSURREIÇÃO

Todo aquele espaço foi, há muitos, muitos anos, uma quinta. Quase dentro da cidade.

Vieram os homens, rasgaram a terra, terraplanaram, alcatroaram. Fizeram uma estrada, com duas vias em cada sentido.

Recentemente, há cerca de quatro anos, outros homens vieram reformular as vias e ficou um espaço sem uso, sem passagem de tráfego, junto a um barracão.

Ao longo destes últimos tempos, nesse espaço, o alcatrão foi abrindo fissuras e o verde das ervas vai abrindo caminho, reocupando aquilo que, há muito, foi seu. A pouco e pouco o alcatrão, embora ainda ganhador, vai perdendo espaço para a massa verde, cada vez maior em cada Primavera. O verde vai reconquistando terreno aos homens.

Há alguns dias, foi o espanto! Um pequeno seio foi crescendo, crescendo, estumescendo o solo, aproveitando uma fissura rasgada no alcatrão. Naturalmente, no topo do seio, surgiu um mamilo. Verde.
O mamilo foi rompendo, rompendo um pouco mais em cada dia. Deu-se uma pequena explosão e o mamilo desdobrou-se em várias pequenas pontas. Pontas que em cada dia crescem um pouco mais. Cresceram bastante para agora já não haver dúvidas que é uma palmeira! Em cada dia e enquanto cresce, vai gritando um grito de vitória, depois de há muitos anos (vinte? trinta?) ter sido enterrada pelos homens.

RESSUSCITOU!!!

1 de abril de 2011

TEMPOS...

MEDO
medo da luz
medo da sombra
medo da própria sombra
medo do dedo
a apontar um ponto
medo de um encontro
medo do... MEDO!