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7 de abril de 2011

(D)ESFORÇO

- Quero lá saber! Ninguém me pode por na rua.

Mas a ansiedade ia aumentando à medida que um, outro, mais dois, outro ainda, depois cinco de uma só vez, iam saindo da empresa porque não suportavam mais o desprezo, a sensação de inutilidade a que iam sendo votados por não lhes ser distribuido trabalho.
Tudo era,ainda, agravado pelas sucessivas convocatórias para entrevistas, durante as quais lhes eram feitas propostas para revogação do contrato de trabalho.
Seguiam-se as situações de depressão e, depois, baixas médicas.
Muitos, depois de recebida a alta, aceitavam a revogação do contrato de trabalho, com recebimento de indemnização.

Apesar disso, o Zé Loureiro ia repetindo:
- Ninguém me pode obrigar a sair. Não sou nenhum velhadas.
Assim foi durante bastante tempo. Depois passou a irritar-se sem razão. Até com a mulher. Todos os dias conflituava com os empregados da secretaria do sindicato, porque não conseguia chegar à fala com a Direcção. De uma das vezes partiu o vidro do balcão de atendimento.
Finalmente, conseguiu falar com o Secretário. Argumentou, gritou, exigiu. O Secretário ia tomando notas num bloco de papel. Já tinham saído três mestres, além de doze ajudantes.
- Ninguém é obrigado a rescindir - dizia o Secretário repetidas vezes - E ainda não entrou nada para despedimento colectivo.
- Pois. Mas o sindicato não está a fazer nada.
- Só sai quem quer. Por cada dois ou três que saem, entra um mais novo.
- E a malta com cinquenta anos é velha?

Uma semana depois comunicou a um colega:
- "Desarrisquei-me" do sindicato. Não fazem nada!

Passou mais um mês. A mulher conseguiu convencê-lo a ir ao "médico da Caixa". Passou a tomar calmantes. E assim se passou mais ou menos um mês.

Um dia saiu de casa ainda não tinha nascido o sol. Passou o dia fora. Andou pelas ruas e jardins falando com os seus fantasmas, esbracejando. Ao anoitecer deu consigo sentado num banco de jardim. Cansado, procurou o caminho de casa. Jantou uma sopa. Deitou-se. Quase não dormiu.

No dia seguinte, mais calmo, foi ao Serviço do Pessoal da empresa para saber «quanto tinha direito a receber».
Pediu alta médica. Foi, novamente, à empresa e, quando chegou a casa, disse à mulher:
- Rescindi o contrato e já recebi. O dinheiro já está no banco. Puta que os pariu! Vou descançar uns dias e, depois, vou começar a ver os anúncios nos lornais. Com a experiência que tenho, não vai ser difícil arranjar trabalho.

Passados cerca de dois meses, ainda não tinha trabalho.
- Mas eu estou velho? Ó mulher, tu achas que eu estou velho?

Entrou em depressão. Cada vez mais profunda. Não saía de casa. Depois passou a sair só à noite. Quando regressava, a mulher andava à volta dele para perceber se tinha bebido.
- Ó homem, vê se continuas a procurar nos anúncios. O dinheiro pode acabar.

Os vizinhos começaram a fazer apreciações pouco favoráveis quando o viam sair de noite, cosido com as sombras.

Saiu cedo. Cheio de força, embora nada comunicativo. Voltou à hora de almoço com um saco de plástico de supermercado, cheio de compras. Dele retirou uns calções brancos de desporto, uma camisola branca, sapatos de ténis brancos e vermelhos e um fato de treino - calças vermelhas e casaco branco e vermelho.

Almoçou pouco e à pressa.

Vestiu-se com os artigos de desporto que comprara, sem nada dizer.
A mulher postou-se-lhe à frente, interrogativa.
- Não presto para nada? Vais ver!
- Tem juízo, homem! Já viste os anúncios hoje?
Não respondeu.
Começou a fazer flexões de pernas, movimentos de braços - exercícios de aquecimento.
A mulher, espantada com aquela atitude, observava-o.
Fez pequenas corridas entre a cozinha e a sala-de-jantar. Abriu a porta da rua e saiu a correr.
A correr, foi desde casa até à fábrica. Aí continuou a correr, dando voltas ao edifício das oficinas. Alguém o reconheceu e a notícia foi passando de boca em boca. Grupos dispersos vinham espreitá-lo de cada vez que passava em frente ao portão da entrada ou das traseiras.
Cada volta que dava e sempre a correr, era cada vez mais lenta. O cansaço era cada vez maior, mas não parava. Já seguia a passo, cambaleante. Tentou retomar a corrida, mas caiu. Levantou-se e tentou continuar a passo, mas ziguezagueava e caiu, de novo. Tentou levantar-se, mas voltou a cair. Conseguiu arrastar-se, de joelhos ou quase rastejando até à entrada das oficinas. Ao tentar por-se de pé, agarrado às grades do portão, caiu de joelhos e, a seguir, caiu de borco. Estava insconsciente.

Chamaram uma ambulância, que o transportou ao hospital.

O funeral foi no dia seguinte, à tarde.

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