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2 de março de 2011

UM GRILO NA CABEÇA

Vocês sabem que tenho um grilo dentro da cabeça? Aqui mesmo por detrás da orelha esquerda. Nunca pára. Canta, canta, canta sempre.
Se você encostar uma orelha à minha cabeça, vai ouvi-lo. Ora experimente. Não quer? Não tenha mêdo. Vá lá. Acho que vai ouvir melhor se encostar a sua orelha à parte detrás da minha orelha esquerda.
O raio do insecto tem uma vitalidade que eu invejo. Vive de mim, alimenta-se de mim, mas não parece que me esteja a definhar. Passam os anos e o canto é cada vez mais forte. Parece-me. E eu não estou a enfraquecer assim tanto.
Eu digo que é um grilo, mas, algumas vezes, parece mais um ralo. Daqueles das noites quentes de Verão, que, apesar de estarem longe, parece que estão perto, perto. Mas um ralo assusta-se e cala-se quando a gente bate com os pés no chão, embora volte à cegarrega pouco tempo depois. O meu não. Por mais que bata na cabeça não pára de cantar.
Se durmo, não o oiço, mas, mal acordo, lá está ele outra vez. Não tem sossego nem me dá sossego quando estou acordado.
Só que ninguém acredita no raio do grilo. Alguns até acham que é laracha minha e riem-se. E ninguém quer experimentar ouvi-lo. Ninguém... quer dizer... A enfermeira Eunice, que já experimentou, diz que o ouve muito bem. E, sempre que me vê, diz logo: - Ora, deixe lá ver se o bicho ainda canta. Hoje está cá com uma força!
É chato, mas já me habituei. Lá me fui habituando.

Gostava de saber se quando eu morrer, o raio do animal ainda continua a cantar, mas não há meio de eu saber. A não ser que a enfermeira Eunice queira verificar. Ora, quero lá saber! Mas era só curiosidade.

Já tentei gravar o canto encostando um gravador pequenino à minha cabeça, mas não dá. Só se se ouvisse cá fora, sem ter que encostar o ouvido, assim no ar, como os outros grilos. Mas esses não estão dentro de uma caixa fechada, estanque - a minha caixa dos pirolitos.

No principio até fiquei preocupado porque pensei que me ia comer os miolos e eu ia ficar com a cabeça vazia e maluco. Ora, é bem de ver que não. Ou então se os come, os miolos, eles, voltam a crescer. Deixei de me preocupar.
Que o grilo cante à vontade ou o ralo ou lá o que quer que seja.
Já não me ralo!

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