Vocês sabem que tenho um grilo dentro da cabeça? Aqui mesmo por detrás da orelha esquerda. Nunca pára. Canta, canta, canta sempre.
Se você encostar uma orelha à minha cabeça, vai ouvi-lo. Ora experimente. Não quer? Não tenha mêdo. Vá lá. Acho que vai ouvir melhor se encostar a sua orelha à parte detrás da minha orelha esquerda.
O raio do insecto tem uma vitalidade que eu invejo. Vive de mim, alimenta-se de mim, mas não parece que me esteja a definhar. Passam os anos e o canto é cada vez mais forte. Parece-me. E eu não estou a enfraquecer assim tanto.
Eu digo que é um grilo, mas, algumas vezes, parece mais um ralo. Daqueles das noites quentes de Verão, que, apesar de estarem longe, parece que estão perto, perto. Mas um ralo assusta-se e cala-se quando a gente bate com os pés no chão, embora volte à cegarrega pouco tempo depois. O meu não. Por mais que bata na cabeça não pára de cantar.
Se durmo, não o oiço, mas, mal acordo, lá está ele outra vez. Não tem sossego nem me dá sossego quando estou acordado.
Só que ninguém acredita no raio do grilo. Alguns até acham que é laracha minha e riem-se. E ninguém quer experimentar ouvi-lo. Ninguém... quer dizer... A enfermeira Eunice, que já experimentou, diz que o ouve muito bem. E, sempre que me vê, diz logo: - Ora, deixe lá ver se o bicho ainda canta. Hoje está cá com uma força!
É chato, mas já me habituei. Lá me fui habituando.
Gostava de saber se quando eu morrer, o raio do animal ainda continua a cantar, mas não há meio de eu saber. A não ser que a enfermeira Eunice queira verificar. Ora, quero lá saber! Mas era só curiosidade.
Já tentei gravar o canto encostando um gravador pequenino à minha cabeça, mas não dá. Só se se ouvisse cá fora, sem ter que encostar o ouvido, assim no ar, como os outros grilos. Mas esses não estão dentro de uma caixa fechada, estanque - a minha caixa dos pirolitos.
No principio até fiquei preocupado porque pensei que me ia comer os miolos e eu ia ficar com a cabeça vazia e maluco. Ora, é bem de ver que não. Ou então se os come, os miolos, eles, voltam a crescer. Deixei de me preocupar.
Que o grilo cante à vontade ou o ralo ou lá o que quer que seja.
Já não me ralo!
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